13 de ago. de 2013

O perfume do meu reino


Se fizer silêncio, já está bom.
Se não houver barulhos nas madrugadas; se os homens, mulheres e crianças não gritarem; se os cachorros não latirem muito e os gatos não brigarem em cima dos muros, já está bom.
Porque a gente cresce e o coração vai diminuindo de tamanho, consequentemente nossas necessidades e exigências também, consequentemente nosso brilho no olhar também.
Antes, a gente exige, depois a gente quer, depois a gente espera, depois a gente não espera mais, só sente falta, no final, nem falta a gente sente. É até bom, se isso não nos tornasse pedras, porque a dor vai diminuindo com o tempo, com a claridade.
Mas preciso dizer, que num dia desses, voltando pelas ruas repletas de ipês que já começam a dar boas vindas ao inverno com sua flores rosadas, eu senti aquele perfume. 
Sim! 
Aquele perfume de que nunca falei, de que ninguém sabe, de que ninguém sente. 
Era o cheiro do Meu Reino. 
Meu Reino que já não me recordo mais como era, pois deve ter morrido junto da infância, mas era o cheiro dele, eu sei que era. 
Meu Reino repleto de flores e heróis e levezas. Meu Reino onde minhas lutas eram dignas e felizes, onde os sorrisos e as almas eram de uma profundidade que não sei expressar. 
O que posso dizer é que esse Reino é bem diferente de tudo aqui. Lá, eu mesmo sou outro. Lá sou puro, intenso, livre, feliz. Lá sou príncipe. Mas não como os príncipes daqui, que reinam sobre os outros, lá sou príncipe sobre mim mesmo. Minhas atitudes são nobres, meus sonhos são nobres, meus desejos são nobres.
Mas o perfume não durou tanto para que eu me recorde de mais coisas, passou rápido como sempre. 
Nem me recordo qual foi a vez antes desta que o senti. Sei que foi há tanto... Por isso temo e sofro em dizer: cada vez mais raro será, cada vez mais ralo, escasso.
Eu não queria isso.
Eu não queria esse mundo e as necessidades que ele me obriga a ter, as genuinamente minhas são tão mais significativas, tão mais profundas.
E meus heróis? Não há um cuja face permaneça intacta em minha mente. Não há um cuja espada ainda reflita luz nos meus olhos. 
Sinto saudades.
Sinto saudades...


De "Nuvens de Janeiro"