27 de ago. de 2013

Fiel meretriz


A tristeza, uma meretriz tão bonita e perfumada, deita-se em minha cama.
Não preciso convidá-la, não preciso de canções clássicas sobre a dor, ou de um copo cheio de torpor;
As portas estão sempre abertas.
Abertas para todos sentimentos.
Alguns visitam com mais frequência, outros apenas acenam lá da rua, nem param.
Mas a tristeza é uma velha conhecida, ela foi meu primeiro amor.
Há bem quase vinte anos nos encontramos, eu, ela e a vergonha.
Da vergonha não gosto, por isso nem falarei muito dela;
A vergonha pesa desumanamente, e ao contrário da tristeza, que é fria e delicada,
A vergonha queima, impede, dilacera. 
A vergonha não é visita, é inquilina sem contrato.
Nunca vai embora, a desgraçada.
Mas a tristeza, essa sempre foi gentil.
Nunca chegou fazendo estardalhaço, falando alto, quebrando os pratos.
A tristeza é uma dama, uma dama sedutora, elegante, cortês.
Quando todos os outros sentimentos partem, ou ao menos se tornam invisíveis nesse quarto,
A tristeza permanece aqui. Fiel. 
Com o mesmo vestido vermelho e longo, com a mesma face bem maquiada.
Embora ela deite em outra camas, eu sei que jamais me abandonará.
Seu beijo é amargo, mas ao menos é um gosto a se sentir.
Seu abraço é sutil e gélido, mas ao menos é repleto de sinceridade.
Para ela, e unicamente para ela, fico completamente nu.
Pois ela aceita por completo este eu que aqui dentro vive.
Ela, por mim, paralisa todos os relógios, crenças, expectativas e desesperos.
A tristeza me amansa, a tristeza me acalma...
Eu sinto que a tristeza me ama.