17 de jun. de 2011

Florinhas roxas (a voz)


Tenho medo que veja o medo em meus olhos, medo de não conseguir mais reviver aquela chama que se congelou.
Por que tudo se perdeu?
Por que cortaram a bela árvore de florinhas roxas?
Por que a levaram de mim?

Eu gostava tanto delas aqui, minha antiga fé, minha antiga simplicidade.
Gostava tanto daquele tempo antigo em que meu olhar era sereno,
tal qual meu coração, tal qual meu espírito eram.

Por que me foram dadas asas tão imensas junto de raízes tão profundas?

Por que é sempre essa batalha infernal aqui dentro, como se cada parte minha tivesse sido gerada por um útero de dúvida?

Eu tenho medo, tenho medo porque até ontem havia esta bela árvore de florinhas roxas, sombreando a rua triste dos finados,
e ela soava ser imaculável, uma extensão divina, eterna... Mas hoje já não há mais nada, nada além do seu tronco decepado rente ao solo, e o som da serra ainda ecoando pelos becos dali.
As folhas murchas pelo asfalto, as flores esmagadas pelos pés dos transeuntes na calçada.

Tenho medo de ser esse lenhador de mim mesmo, tenho medo de podar-me, aniquilar-me em pleno auge primaveril (pois já cometi esses pecados em outras primaveras.)
Eu temo privar-te dos meus perfumes, das minhas cores, dos meus milagres.
Eu temo privar-me dessa chance, dessa vida.

Ah por favor, venha e cala-me.
É tudo que te peço, cala-me.
Porque a única coisa que me fere é som da minha voz em minha mente.
Não há fantasmas no passado, nem perigos no futuro, há apenas a voz.
Que não silencia um instante, que não muda de tom, que não se altera.
Há apenas a voz, arrastando-me para todos os lados imagináveis, re-partindo-me, fragmentando-me, fazendo-me menor do que realmente sou...

Venha, e preencha os espaços por onde ela ecoa, e trinca minhas estruturas.
Venha, porque cada vez corro para mais longe, e para lugar algum.