Para que não me doa a dor do irmão
É preciso que eu feche os olhos
É preciso que eu não tenha sequer olhos
Mas então os ouvidos ouvem e sangram essa dor
E para que não sangrem
É preciso que eu tape os ouvidos
E que eu finja não continuar ouvindo
Mas então um grito rasga a garganta
Um urro faminto
Dilacerante
E para que eu não grite
É preciso que eu não tenha boca
Que se selem para sempre meus lábios
Mas então as mãos tateiam a escuridão
Ferem-sem em brasas humanas
E para que eu não as toque
É preciso não ter mãos
Mas então os pés caminham por escombros
Escombros do que já foram vidas
E eu caio também exausto ante ao horror
Com o rosto à Terra
Rente ao pó que todos somos
Abraçando essa outra mãe tão castigada
E já não contenho o pranto
Pois sou eu também aquele solo ferido
Também sou aquilo que resta da devastação
E sinto:
Para que não me doa o que dói no outro
É preciso que eu não tenha alma.
🇵🇸
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