Em certos dias acordava com um medo
De que o frágil sentido das coisas se perdesse
De que
De repente
Nada mais estivesse lá
Em seus lugares nas estantes
Nas rodovias
Nos corpos e corações
Um medo quase sem razão
Ou não
Feito quando era menino
E temia dormir achando que o dia não nasceria
Que ao despertar ainda seria noite
Noite
Noite
Para sempre noite
Como se o dia se esquecesse de voltar
E por algumas vezes aconteceu
Os objetos sumiram das estantes
Os carros não encontraram as rodovias
O coração se partira
Por algumas vezes
A noite foi longa
Tão longa que quase não se viu claridade alguma ao amanhecer
Um dia estranho
Com uma luz suja
Cansada
Ali só por obrigação
E não houve quem voltasse ou quem chegasse
Quem dissesse
Estou aqui
Não
Só o silêncio de sempre
Um sopro afiado e frio de realidade
Então se escrevia
Porque ela estava certa
Escrevia-se sim para desabrochar
De um modo ou de outro
Para que não se murche e se caia
Como os botões daquela roseira na janela da juventude
Escrevia-se para dourar de eternidade o efêmero
Para acender alguma luz perene
Para que ainda se sonhe
Que algum dia você estará aqui.
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