27 de jun. de 2023



Em certos dias acordava com um medo

De que o frágil sentido das coisas se perdesse 

De que

De repente

Nada mais estivesse lá 

Em seus lugares nas estantes

Nas rodovias 

Nos corpos e corações 

Um medo quase sem razão

Ou não 

Feito quando era menino 

E temia dormir achando que o dia não nasceria 

Que ao despertar ainda seria noite 

Noite

Noite 

Para sempre noite

Como se o dia se esquecesse de voltar

E por algumas vezes aconteceu 

Os objetos sumiram das estantes 

Os carros não encontraram as rodovias 

O coração se partira

Por algumas vezes 

A noite foi longa 

Tão longa que quase não se viu claridade alguma ao amanhecer 

Um dia estranho

Com uma luz suja

Cansada 

Ali só por obrigação

E não houve quem voltasse ou quem chegasse 

Quem dissesse 

Estou aqui 

Não 

Só o silêncio de sempre 

Um sopro afiado e frio de realidade 

Então se escrevia 

Porque ela estava certa 

Escrevia-se sim para desabrochar 

De um modo ou de outro 

Para que não se murche e se caia

Como os botões daquela roseira na janela da juventude 

Escrevia-se para dourar de eternidade o efêmero 

Para acender alguma luz perene 

Para que ainda se sonhe

Que algum dia você estará aqui.