30 de ago. de 2025

Dia após dia



Em sonhos como esses

Seus olhos parecem brilhar ainda mais 

E eu queria poder te contar que ontem chorei

Ouvindo as crianças brincarem na rua 

Reprisando um tempo que achei 

Que havia se perdido para sempre 

Mas você não estava aqui

Ninguém estava aqui

Ainda assim

Eu cavei a terra de mãos nuas 

Deitei ao solo cansado novas sementes 

É fim de agosto 

A primavera não tarda 

E nessa fusão de sonho e realidade 

Dançávamos 

Os que estão e os que partiram 

Como se fosse possível a vida devolver 

Tudo aquilo que ela nos tira 

Dia após dia.

23 de ago. de 2025

Volitar



Lembro-me de um tempo 

Em que nos sonhos se podia voar 

Como eternas crianças perdidas

Soltas no ar 

Agora, às vezes,

Algumas raras vezes 

O coração fica leve o bastante 

Para que em madrugadas brilhantes 

Os pés volitem alguns metros acima do chão 

Como se fosse possível de novo 

Plainar por um firmamento de inocência 

Embora diferente de antes 

Agora rondem o medo, as horas, os despertadores 

Uma plateia displicente 

E nenhuma promessa do amor 

Mas há alguma magia 

Sutil 

Quase imperceptível 

Que escorre das rachaduras que se abrem 

A cada golpe violento da vida

E isso ainda faz os olhos marejarem 

Como se a realidade não doesse tanto 

E a esperança aguardasse ansiosa 

Por seu desabrochar miraculoso 

Na primavera que se aproxima. 


22 de ago. de 2025

Sempre há um agosto

 

Sempre há um agosto 

Em que 

Diferente de outros agostos 

O vento quase não sopra 

E ainda faz bastante frio 

E tudo parece como que preso em uma fotografia começando a desbotar

Sempre há um agosto 

Em que daquele velho cemitério 

Eu sinto chegar até mim um perfume que deveria ser esquecido 

Eu ouço se aproximar uma canção que não deveria mais ser ouvida 

Não é um cemitério comum 

As flores de mirra desabrocham ao sol de fim de inverno 

Hibiscos e primaveras explodem em cores tamanhas 

Inundando os olhos de uma beleza comum e mágica 

Nada parece lembrar que algo valioso repousa aqui 

Abaixo dessas terras 

Em uma única sepultura 

Adormecem os sentimentos mais nobres já sentidos 

O Sonho, o Delírio, o Desespero, a Esperança, 

O Amor. 

E este mausoléu feito de uma pura safira azul 

Como que se ilumina ao me ver chegar novamente 

Depois de tanto tempo.

E aqui me encontro  

Em resignação e calmaria 

Observando de muito longe o tamanho imenso das asas daquilo que já foi tão amado 

Refletindo a claridade de um céu sem nuvens

Enquanto as raízes dos meus pés se aprofundam cada vez mais no solo escuro. 

O sol se põe...

Peço então que adormeça  

Tudo o que foi despertado 

E levo comigo apenas

De mãos dadas 

Uma agora pacífica Saudade

Que sorri discretamente 

E que sei que nunca irá me deixar.

3 de ago. de 2025

Como não fazer poesia?



Como encontrar poesia,

Se não longe falta-lhes o pão, o pai, a água, o irmão?

Como fazer poesia,

Se deitado em cama confortável 

Os vejo abaixo dos escombros, 

sendo escombros?

Como sentir poesia,

Se caminho por um jardim florido, luzindo ao sol ameno de inverno,

Enquanto eles rastejam entre ossos e poças de sangue inocente?

Como cantar poesia,

Se as palavras apenas ecoam por uma casa silenciosa, vazia,

Enquanto eles se aglomeram sob trapos rasgados pelos ventos ferozes da indiferença?

Como não fazer poesia...

Diante do horror e da barbárie,

Para que aqueles melhores que virão após nós 

Saibam do nosso desespero 

E covardia.



(Imagem retirada da internet)

2 de ago. de 2025

02/08



Varria folhas lembrando vagamente da despedida do último grande amor

Era também o segundo dia de um agosto qualquer 

E onze anos depois a maior dor já não dói 

E machuca menos que esse vento que insiste em atrapalhar meu trabalho desimportante 

A moça estava certa

Realmente o tempo tira tudo do centro das atenções 

Embora não cure nada 

E já não resta tanto a dizer

A não ser a repetição tola do que a ninguém importa 

Mas agosto evoca palavras calmas

Torna os dias mais passado que presente 

Banha o jardim de uma luz opaca e macia 

E sopra no coração um quase desejo de ser feliz outra vez.