20 de jun. de 2020

15/06


Todas as ruas se parecem com ruas de dias de domingo, mas sem as crianças correndo nos parques, sem os idosos pelas calçadas com seu aspecto doce e contemplativo, sem os fiéis reunidos em seus louvores e exaltações.
Alguns dizem ser tempos sombrios, enquanto outros dizem que momentos severos assim abrem frestas nos espíritos endurecidos, e que é só assim que a luz entra. Eu não sei quem está com a razão, eu já nem ao menos sei se a razão ainda nos acompanha.
Sei que o mundo não é mais o mesmo. Sei que somos extremamente humanos, com tudo de belo e tudo de miserável que tal fato nos concede.
Sei que nossas vidas não são números.
E a cidade naufragada em silêncio, em distância e em isolamento, me faz sentir saudade do som daqueles velhos versos, como vidros quebrados em uma caixa; versos tolos, ingênuos, em resposta a amores frágeis e sonhos tão delicados.
Então a poesia se achega, repousa no meu colo... Não há muito a ser dito, e eu já não contenho o pranto. Também tenho medo, também tenho frio. Mas o pranto é em oração pela Esperança que ainda não debandou dessas terras, nem desse peito. A Esperança, o pequeno dom que restara no fundo dessa Caixa de Pandora.
Agora que temos os lábios escondidos, aprendemos então a sorrir com os olhos; agora que não podemos contemplar a beleza de novos campos, aprendemos a semear e a esperar...
E eu enfim entendo a cidade como entendo meu coração, essas ruas e caminhos abandonados, por onde já não se deve mais caminhar...
Pequenos e grandes vazios, lá fora, aqui dentro.
O que virá depois se houver depois?
Abrir, talvez, essas comportas.
Dar vazão.
Deixar livre toda essa beleza contida.
Voltar para os Jardins do fundo da alma, cuidar, ressemear.
A claridade cinematográfica da tarde ronda os pensamentos junto de uma brisa de perfume delicado.
Uma canção ajuda a criar lembranças de coisas que nunca aconteceram.
  • É o coração que se recusa a parar de bater...