6 de mai. de 2020

06/05/2020




Onde antes ondulava um manso oceano esmeralda de palavras saturadas de amor e vida, jaz um leito seco e salgado. Entre as rachaduras, pequenas relíquias partidas de um passado já remoto tentam causar alguma comoção. Mas tudo é findo.
Sem rancor, saudade ou sonho, as palavras, como as águas, foram sendo drenadas pela realidade; prática, sintética, mecânica. Um interminável sol escaldante de silêncio profundo dissolveu e consumiu o que restara. Mas o que vem agora? Deixo de caminhar por uma trilha de memórias mortas e a luz adiante fere meus olhos... Um imenso vale de fatos, é que me aguarda. Exalam um cheio amargo de lucidez. O primeiro fato diz que o amor não virá, mas esse é um fato já reconhecido. O segundo fato aperta em suas mãos ásperas um resquício de poesia, com tristeza e afeto. Apenas observo e avanço; não sei se resta fé o bastante para que eu possa salvá-la. Um terceiro fato mantém o silêncio. E essa é sua mensagem.
Então a noite desce com delicadeza. As estrelas continuam no céu. O que virá depois do infinito?
E me pergunto se existe algum caminho que faça sentido... O mundo pode acabar amanhã e todo esse oceano de palavras que hoje faz tanta falta, não significará mais nada. Talvez o mundo já tenha acabado... e o significado já não exista, de fato.
Mas eu me levando, tiro o sal das roupas e escolho uma direção. Qualquer direção.
Eu não posso esquecer que passei por aqui. Que senti. Que amei. Que em tempos mais bonitos mais leves, eu mergulhei nas águas que aqui repousavam,  e que para onde quer que tenham ido todas as palavras, também foram as minhas partes perdidas, talvez.
Lentamente caminho para lá.
Lentamente.
Uma lua imensa no céu ilumina meus escombros...
Eu sigo.