Chegamos de longe, eu ainda não contei;
era
uma ida e vinda sem fim entre Londrina e Penápolis. Nasci lá, na terra
vermelha, cruzando o grande rio.
O pai veio pra cuida do sítio da vó, de umas
vaquinhas, uma terra seca de dar dó, onde nada crescia. Para eles, esperanças
frustradas. Para mim, o paraíso.
Criança
naqueles tempos era uma coisa um tanto diferente. Sofria diferente, sentia
diferente. Se lá tinha as mangueiras, a amoreira, os pés de siriguela e
macaúba, era o céu. Querer o que mais? A gente, eu e as manas, passávamos os
dias mais no topo das árvores que de pés no chão.
Lá
longe, contava a irmã, naquela floresta, moram Os Trapalhões. E eu queria muito
ir lá conhecer o Zacarias, porque ele era um sujeito simples e risonho, mas a
mãe não deixava.
Quase
embaixo da maior mangueira, aquela da qual um dia a irmã caiu, mas nem machucou
muito, ficava a Igrejinha de Santa Luzia. Foi construída por alguém do passado
velho, vô ou bisavô pra pagar promessa. Ela me dava medo. Tinha um monte de
imagem de santo quebrada e uma de Santa Luzia com um prato nas mãos. Um dia vi
que ali estavam dois olhinhos.
Coisa
mais medonha, eu pensei. Quem que leva olhos assim, num prato. Lugar de olho é
na cara. Com o passar do tempo fingi que entendi o significado. Essa coisa
“significado” faz o absurdo ter sentido. Então está bom.
A
igrejinha era um lugar meio proibido, de respeito permanente. Não podia entrar
sempre nem brincar ali, só rezar, mesmo sem saber rezar. Então, quanto a porta
estava aberta, eu sentava no banco e ficava quieto vendo aquele monte de coisa
estranha. Uma imagem de São João com o Menino Jesus nos braços, toda desbotada
e manchada de chuva. Aquele São João parecia sempre bravo com alguma coisa.
Será
que os santos são tão sérios assim, ou são os pintores que não sabem como
pintar sorrisos. Porque eu achava, e ainda acho, que santo sorri. É santo,
oras. Deve de ser feliz.
Tristes
somos nós, meio que esquecidos aqui, nesse mundinho cada vez mais estranho...
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