O quarto da mãe e do pai parecia uma caverna escura e bem
arrumada, de luz amarelada e muitas toalhinhas nos móveis.
No alto da cômoda tinha um perfume embalado numa capinha de
veludo, de tampa preta. Pra mim, aquele era o cheiro dos sonhos.
Se sonho fosse uma coisa de ter perfume, como uma manga no
pé, uma ameixa do mato ou uma amora vermelha, ele teria aquele cheiro.
Não era só um cheiro bom, era um cheiro mágico. Cheiro de uma
vida que não pesava, não doía, não colocava o peso do mundo nos ombros da
gente.
Antes de ir pra escola, eu abria escondido e passava umas
gotas no pescoço. Escondido, modo de falar. Perfume todo mundo sente, não é?
Então pegava a estradinha branca, passava pela porteira velha e ia esperar o
ônibus da escola no ponto da Estrada do Mineiro. Ali perto, florezinhas
amarelas de seiva doce cresciam nas cercas, eu e as irmãs chupávamos o líquido
docinho de dentro, como beija-flores.
Volta e meia eu sinto o cheiro do antigo perfume, não sei se
de verdade ou de saudade, mas sinto. E volto pra aqueles dias onde tudo era
simples de um tanto...
Em tudo havia pobreza e carência, mas não na imaginação.
Com aquele cheiro eu era o menino mais bonito da escola, o
mais feliz.
Sabe, tem vezes que quero ser aquele menino de novo.
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