29 de mar. de 2016

Outrora: capinha de veludo




O quarto da mãe e do pai parecia uma caverna escura e bem arrumada, de luz amarelada e muitas toalhinhas nos móveis.
No alto da cômoda tinha um perfume embalado numa capinha de veludo, de tampa preta. Pra mim, aquele era o cheiro dos sonhos.
Se sonho fosse uma coisa de ter perfume, como uma manga no pé, uma ameixa do mato ou uma amora vermelha, ele teria aquele cheiro.
Não era só um cheiro bom, era um cheiro mágico. Cheiro de uma vida que não pesava, não doía, não colocava o peso do mundo nos ombros da gente.
Antes de ir pra escola, eu abria escondido e passava umas gotas no pescoço. Escondido, modo de falar. Perfume todo mundo sente, não é? Então pegava a estradinha branca, passava pela porteira velha e ia esperar o ônibus da escola no ponto da Estrada do Mineiro. Ali perto, florezinhas amarelas de seiva doce cresciam nas cercas, eu e as irmãs chupávamos o líquido docinho de dentro, como beija-flores.
Volta e meia eu sinto o cheiro do antigo perfume, não sei se de verdade ou de saudade, mas sinto. E volto pra aqueles dias onde tudo era simples de um tanto...
Em tudo havia pobreza e carência, mas não na imaginação.
Com aquele cheiro eu era o menino mais bonito da escola, o mais feliz.

Sabe, tem vezes que quero ser aquele menino de novo.

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