31 de ago. de 2017

Assombrações de Agosto



Os últimos ventos da última tarde de agosto varreram as ruas sonolentas, empoeiradas. Levaram pro horizonte uma plúmbea cortina morna, deixando a cidade brilhante à luz do sol prestes a ser poente.
Era dessas cada vez mais raras tardes que se fazem saudade e poesia. Uma saudade às avessas, do futuro, inconstante demais para ser esperança. E a poesia é órfã, sem colo e destino, jorrando poucas palavras feito chamas peito acima, que logo mergulham eternamente num frio mar de esquecimento...

30 de ago. de 2017

30/08



Abríamos nossas almas e corações ávidos e ansiosos, como se fossem bonitas caixas de presentes, e o que encontrávamos, oferecíamos... Que tempos aqueles em que éramos jovens o bastante para acreditar que o amor não adoece com os mais variados tipos de distância.
Um dia as memórias também serão levadas? Levadas como o aroma sutil demais das adoecidas orquídeas, lavadas como os telhados velhos cobertos da fuligem de sonhos aos poucos incinerados... 
Em alguns dias as ruas voltam a ser desertas, o mundo volta a não dar voltas e eu tento lembrar das palavras daquela canção proibida. Em alguns dias há uma certa batalha para não sentir o gosto daquele amor pelo que restou, porque o que restou foi a dor.
Parece não haver mais a quem abrir as caixas de presentes... Faz muito calor para aquele sueter levemente perfumado, para o cachecol branco, para sorrir aos ipês amarelos.
Faz muito silêncio para continuar atuando no teatro da esperança.
Já faz tanto... tanto tempo.

27 de ago. de 2017

Fim de agosto


São as florações brancas dos ipês que anunciam o fim de agosto.
Todas essas pequenas tragédias que vamos superando, todas essas pequenas alegrias que vamos vivendo e esquecendo, todas as palavras que continuam jorrando de uma fonte imaculada... Há um propósito.
Ninguém se aproxima e nós não iremos mais nos cansar tentando fazer sentindo, tentando não nos chocarmos com as paredes do molde.
De alguma forma nós estamos amando, em silêncio, solitários.
Insistindo, insistindo, caindo, se ferindo, resistindo.
Eles dirão que nosso melhor é o que não podemos alcançar, eu digo que já estamos prontos para voar. Nada nos segura além da paixão dos nossos pés pelo chão, como raízes e solo.
Não é preciso que me diga como os cortes doem, como é triste extirpar os galhos ainda repletos de flor numa manhã de domingo, mas é preciso, é preciso.
Ainda que um tanto atrapalhada, aquela velha voz interna é uma das poucas verdadeiras amigas, aquela que nunca irá partir.
Tudo bem gastarmos nosso tempo com memórias e com sonhos...
Eu sinto que para alguém o mundo é mais bonito porque nós existimos.

26 de ago. de 2017

Incompletude

Talvez você ainda se lembre de quando éramos crianças capazes de fazer coisas mágicas. A cidade já teve outra cor, outros sabores e luzes opacas. O coração ainda é o mesmo. Ele para sempre será.
Eu sei que somos ainda tão puros quanto quando despertamos pela primeira vez nas mãos de Deus.
Nós já achamos o caminho e acho que essas tantas hesitações não são um pecado tão grande.
São tempos fodidos. É muita gente perdida pra pouca esperança. Então a gente tem que se unir. Tomar um café no jardim. Contar as vitórias que vieram após as derrotas. Saber onde encontrar um abraço sincero.
Alguma coisa sempre vai estar por fazer, sempre estará em falta. Algum ponto a ser ajustado. Alguma frase a ser aperfeiçoada. Alguma fresta a ser preenchida.
Nós somos incompletude.
Buscamos calor em belos olhos que nunca nos verão da mesma forma, buscamos formas que nunca serão reais. Uma ininterrupta corrida em círculo para nenhum lugar... Mas já vemos o confuso sentido oculto em tudo isso.
Agora, o que precisa partir e o que precisa permanecer?
O que o tempo já está transportando para as Ilhas das Memórias?
Que palavras tocarão algum coração e que silêncios serão necessários?
Apesar disso, eu estarei aqui. Nós estaremos aqui.
Há tanto para saber...
Mas às vezes acho que de todos aqueles anjos, ainda somos os mais bonitos.

25 de ago. de 2017

Anjos e tempestades



Há uma grande chance de que para sempre os sonhos sejam repletos de anjos e tempestades. Algo do que nos é ancestral, algo que flui pelos átomos do espírito, é inalterável.
Jazem pacíficas em certas madrugadas as memórias dos tempos santos e dos tempos profanos. Não éramos nós. Era nossa carne, a epiderme, a fome e a ânsia. Porque como uma jóia indestrutível, o âmago reluz e é inabalado.
Somos luzes. E a esperança em meio a esse caos triste e desenfreado que nos consome prova isso. Amamos, regamos jardins, dizemos "isso também vai passar".
Às vezes acho que entendo o amor de Deus por nós, um pouco.
A vida é tão bonita!
E quando os véus da ignorância e do ódio se rasgam, é fácil lembrar que também somos Deuses.
O silêncio lá fora abençoa o sono dos santos e dos demônios. Algo de sagrado reside nesse solo repleto de sonhos em escombros e em construção.
Amanhã é dia de música e luzes na pracinha, e juntando esses pequenos milagres a gente vai vendo que timidamente pelas festas de alegria a verdadeira vida vai emergindo.
A poesia das almas resiste emanando amor em todas as direções.
Basta um peito aberto o jardim há de ora ou outra florescer.
Onde quem quer esteja, quem quer que seja, estou te emitindo um pouco do que guardo de amor nesta noite.

21 de ago. de 2017

Ancestral


As manhãs ainda são plenas de ventos frios. Mas depois, depois daquela manhã de agosto em que com duas palavras você extinguiu a claridade, essas manhãs se tornaram um tanto disformes, míticas, preenchidas por sussurros mudos de saudade.
De alguma forma o que restou de você sempre será a memória antepassada a vagar calma pelos largos salões vazios da alma. Mas não vá embora... Fique para ver pelas janelas o fim de inverno levando as folhas dos ipês que um dia nos apadrinharam. 
Aquele galho partido que em um fevereiro floriu já não existe mais...
Você via alguma beleza na quase infantil forma que eu tinha de ser assustado e corajoso simultaneamente. Via alguma graça nas minhas esperanças meio desesperadas.
Depois daquele dias quietos, há sempre uma nova despedida. Poemas e prosas começam com um adeus, adeuses, ah Deus...
Mas fagulhas daqueles tempos mais dourados ainda espocam logo abaixo das nuvens. Em certas tardes pode-se ver meus olhos irradiando parca claridade.
Nos intervalos dessa ópera infausta da existência, quando mentes e tímpanos são agraciados com uma trégua, doces e quase nocivas utopias bailam no horizonte onde se perdem as vistas.
Eu sei que é uma heresia com a razão praticar rituais em louvor àqueles atemporais dias felizes. Peço perdão, mas com pouca convicção do meu pecado. Talvez não finde o tempo em que eu precise roubar um pouco de calor daquelas belezas ancestrais.
Algo do que fomos se protege da boca faminta do tempo.
Vez ou outra lembraremos em silêncio do amável descuido do destino em entrelaçar tão amavelmente nossos corações tão distantes. Novamente, para sempre apartados.

19 de ago. de 2017

Primeiro passo


Uma rachadura, uma fresta, uma janela, uma porta, depois nenhuma parede;
Uma faísca, uma fagulha, um lume, uma claridade, depois a luz do sol;
Um sorriso, uma lágrima de olhos emocionados, um suspiro mais profundo;
Uma memória, um aroma, um reencontro, e depois um morno abraço...
Me desculpe por ter esquecido do que a doce moça disse: o amor é paciente, o amor é gentil.
Quase me enganei buscando no além-mar o que não existe do além-mim.
Aceita o lugar vazio ao meu lado para que eu diga como o mundo ainda tem um sorriso encantador às vezes, mesmo que tímido.
Nós estamos crescendo, então é normal que sintamos medo.
Lembra naqueles dias jovens? Éramos tão seguros e fortes, protegidos por nossa pureza, sonhos e imaginação.
Nossos antigos heróis já se despediram carinhosamente há tanto...
Mas ainda podemos mostrar que somos livres. Que não precisamos do quarto escuro onde a luz não entra.
O próprio universo reside dentro de nós porque nós somos uma partícula do amor, uma partícula de incalculável valor.
Quando quer que você possa vir, meus braços estarão abertos e meus olhos exalarão esperanças.
Para isso somos feitos, para dar o primeiro passo...
E o primeiro passo já é chegar.

13 de ago. de 2017

13/08


O que os anos fazem às vezes é nos levar embora os milagres.
Tragados pelas guerras, por seus números, pelas marchas dos insanos, pela ignorância e pelo silêncio, a gente se esquece dos pequenos clarões gloriosos que adornam os dias...
No fundo do quintal se pode colher jabuticabas das mais doces e nem agosto levou todas as flores da primavera;
No fim da tarde, o vento seco cobriu a cidade de poeira e poesia e havia uma rua vazia de onde se via o sol se pondo rente às árvores;
A jovem noite morna derramou águas brandas e perfumadas na terra cansada.
Todos os dons ainda pulsam, ainda vibram, ainda brilham como ferramentas novas, e não é tristeza o que se achega ao fundo do peito, é vontade, é contrário da saudade, é a espera.
Todos aquele dias belos e mornos são enfim inofensivos, cristalizados como relíquias sagradas, residentes eternas da alma para que esta se lembre do puro e imaculado sabor da vida.
Nada é extinto ou esquecido,
Mas há mais caminho adiante do que o atravessado,
Sempre haverá.


12 de ago. de 2017

Before sunset


Faltariam palavras tão doces quando o aroma da noite que nascia.
Faltariam imagens tão belas quanto o crepúsculo lilás adornado de pássaros negros.
Preciso que saiba que o coração ainda está repleto daquele sagrado combustível, e talvez ainda uma única faísca possa ser a ignição para toda aquela claridade que achamos ter perdido lá atrás.
Todas essas almas tão bonitas em suas essências ainda irão se encontrar. A ausência plena é momentânea. Há de ser.
Alguma força deve estar regendo essa apaixonante e insana orquestra.
A memória não irá trazer souvenirs desagradáveis às nossas mãos nesta noite. Não inundará nossos lábios do fel da saudade desta vez.
Aquela antiga canção é um delicado presente aos nossos sentidos cansados, não um insulto.
Tudo irá ficar bem. Tudo irá ficar bem...

8 de ago. de 2017

É sempre agosto


Ao retornar o eterno agosto, já não havia mais saudades.
Mesmo que breve, o tempo agiu rígido e preciso em seus golpes.
Não soou necessária a repetição de mais nenhum adeus.
As expectativas despencaram todas, como as folhas vermelhas e cansadas no fim do inverno.
Aquele verde sereno e esperançoso, docilmente fugiu dos campos e dos olhos.
As águas não caem...
E o azul seco do céu já não conserva nada do reflexo daquele inesquecido olhar.
Aquele que você acreditou amar na temporada chuvosa, ainda sobrevive em algum lugar, por algum motivo. Mas não parece tardar a vinda do dia em que o coração não ouvirá mais a melodia meiga da tarde cinza e morna.
Queria que estivesse aqui...
Que não ao meu lado, ao menos dentro de mim.
Há alguns meses, após um solene pedido, a dor, tudo o que restava de tempos gloriosos, saiu do palco principal; jaz como uma humilde e quieta figurante num espetáculo confuso.
Eram menos complexos e menos pálidos os tempos em que o amor banido redigia os roteiros.
Agora as mãos e a pele fervem, mas a alma geme de frio, invisível.
É essa a percepção de não mais existir em nenhuma memória, em nenhum álbum de recordações esquecido na prateleira. De não mais possuir o encanto necessário no olhar para adornar de flores toda a aridez e obviedade que se tornou a realidade.
O que agora além do silêncio e da ausência irá preencher o que foi e o que virá a ser?
Não há um você e, aos poucos, vai-se deixando de haver um eu.
Já distante reside a opaca manhã de agosto em que a luz se despediu.
Mas agosto permanece.
De novo e ainda...
Sempre é agosto.