30 de set. de 2021

Inextinto

 


Não mente o poeta

Que no negrume profundo das noites

Diz inventar estórias 

Que tornam a escuridão mais bonita.


Mergulhando solitárias madrugadas adentro,

São pequenas preciosas ilusões que brilham 

Como reminiscências de dias mais simples.

Luminosos retalhos macios de memórias inextintas...


E não que haja tanto alimento para a poesia sempre faminta

Ou que em todas tardes o céu se derrame em cores,

Como que diluído 

Em cascatas de rubis e âmbares,


Mas os murmúrios que ouço 

São do coração ainda se esforçando em entoar uma doce canção,

As cores que vejo 

São do jardim que resistiu à estiagem e ao inverno,

E agora floresce.

Ainda, primavera

 


Rondando os velhos tempos deixados na margem dos caminhos que já deveriam ter sido esquecidos, ainda observo atento na mesma esperança infantil de que de arbustos ressequidos e sem vida floresça algo que transborde cor e perfume,

Mas sempre retorno de mãos e olhos vazios, 

Não resta algo a ser colhido de longínquas semeaduras;

E não é tolo o temor pelo dia em que o que resta das palavras, cansadas, se refugiará em um abrigo triste de silêncio.

Por enquanto, ainda se busca os jardins sobreviventes à estiagem, as emoções sobreviventes às decepções, os sonhos sobreviventes à realidade. 

Por enquanto, ainda é primavera, mesmo que não tão mais dourada como já fora outrora,

Mas ainda, 

Primavera.

Ainda,

De alguma forma sutil e doce,

Poesia.

Atemporal



 As coisas que em nós não têm fim 

Ficam presas fora da passagem do tempo.

Nem tudo é saudade.

Há esses fragmentos de vida  cristalizados fora da linha natural,

Como pequenas pedras preciosas perdidas de seus anéis e colares; 

E às vezes quando a chuva cai

É possível ver seu brilho por entre as nuvens,

Por entre as gotas, 

Por entre o som dos trovões, 

Porque a felicidade não se refugia nem nas lacunas do passado nem nas dobras do futuro 

 - Ou encara-lhe olho a olho 

Ou ela não existe -

Apenas o sonho transita por entre a passagem das infindas horas sem impedimento.

E se não há sonho,

Como já não há,

Cessam os movimentos,

As preces, 

Os cálculos.

Agora nada reluz no céu pois que as águas foram para longe,

Junto ao sentido das palavras, 

Junto ao encanto dos caminhos. 

Mas talvez a primavera traga novas águas,

E novos caminhos,

E pela beirada deles,

Quem sabe,

Floresça algum sonho.

21 de set. de 2021

Ruas de Domingo



Talvez muito mais que em outras vezes, ter esse livro em mãos me causou um turbilhão de sensações. O que eu tinha entre os dedos era um espelho para a alma, e nesse reflexo eu vejo nuances das tantas quedas e renascimentos que permearam os infindáveis meses de quarentena. Eu vejo os inumeráveis momentos de autocondenação e autocompaixão, de medo e alívio, momentos escurecidos como esse céu da capa, e momentos luminosos como nos velhos domingos da infância. 

Nesse reflexo eu vejo um ser humano, repleto de toda beleza e miséria que lhe é característica.

E passados cerca de onze desde que eu achei que deveria pôr em páginas o que eu sentia diante de mim e diante do mundo, eu ainda sinto que estou na minha primeira linha, no primeiro verso para o primeiro amor ou para o primeiro temor. E é difícil saber o que resta daquele menino que se refugiava em fantasias, aquele menino que não sabia o que era pecado e que todas noites conseguia levantar voo em seus sonhos. Mas talvez seja aquele menino a cultivar as flores e se encantar com elas, talvez seja aquele menino a me perdoar todas as vezes que eu tropeço e caio. Talvez seja aquele menino a cuidar do homem que continua a procurar seu caminho. 


7 de set. de 2021

Lançamento: "Ruas de Domingo - Prosa poética em quarentena"

 


Acredito que a função da poesia é encontrar o Belo que reside e resiste em quase todas as coisas. E ainda que talvez nenhuma palavra, verso ou poema possa traçar uma noção justa do que foi e é viver dias como estes, a vida continua fluindo por entre as pedras de angústia e de temor que foram despejadas em quase todos os corações, e as palavras, ainda que desprovidas de muita grandeza e poder, continuam com a honrosa incumbência de acalentar o espírito alquebrado com algum sopro de Beleza.

Nos infindáveis meses que seguiam permeados por solidão, expectativas e incertezas, eu me vi não apenas discorrendo sobre a amargura de uma fase repleta de nuvens tão escuras e ameaçadoras, eu estava como que caminhando por uma longa rua, uma rua de domingo, vazia, silenciosa, que em momentos passados foi o trajeto para tanto movimento e vida, e que em momentos próximos, possivelmente, voltaria a ser.
Durante o caminhar, eu fui observando o que havia ao redor e o que vinha à tona de dentro. Coisas raras, ainda que simples, e repletas de encanto; e coisas não tão felizes, como não poderia deixar de ser, mas que de alguma forma anunciavam a força da vida e a promessa de dias mais iluminados.
Este é um convite para caminharmos juntos por essas Ruas de Domingo através de prosas singelas com algum gosto de poesia. Estas prosas que nasceram por entre os tantos dias de isolamento, são retratos de dias inundados por sentimentos controversos de desalento e também de esperança, adornados com fragmentos de memórias, de ansiedade, de sonho, de amor e de espera. Sensações que, creio eu, em distintíssimas intensidades, todos conhecemos muito bem.

"Ruas de Domingo - Prosa poética em quarentena" é meu 14º trabalho com a poesia, e já está disponível no Clube de Autores.

https://clubedeautores.com.br/livro/ruas-de-domingo