28 de dez. de 2021

 



Na casa de oração, a velha voz rouca entoando uma prece simples foi capaz de fazer florescer alguma emoção;

Algumas coisas ainda estavam em seus lugares, mesmo depois de tudo...

Mas eu vejo partes casa vez maiores do jardim da alma sendo cobertas pela espessa camada do concreto despejado pela realidade. E são só as palavras, fracas, solitárias, lutando contra o cinza rude que leva sem piedade o perfume das cores. 

Temo o dia em que elas sileciarão e não haverá mais o que faça florescer por entre as rachaduras no solo esses sentimentos ingênuos que se dissolvem ao sol inclemente, mas que tão belos são enquanto a vida ainda os nutre. 

E chegamos a esse novo fim simbólico que precede um novo início também simbólico, e eu que nunca acreditei em símbolos rezo para que a esperança não desapareça quando as luzes das ruas forem retiradas. 

E é isso tudo o que isso é. Não há como ter sentido... Pois que é só o pequeno arbusto florescendo antes das chamas, os tecidos encobrindo a crueldade dos espelhos, a resignação diante da fotografia bela e amarga da realidade. 

E já é tarde. 

Os versos quase sem alma se dissolvem na escuridão pegajosa da noite quente. Ninguém lhes ouve as vozes. Ninguém se aproxima. 

Assim como antes.

Assim como depois.

22 de dez. de 2021

 


Eu gostaria de te lembrar que você também pode ser gentil consigo mesmo. Que, na verdade, você deve. 

Gostaria de te lembrar que você também merece o perdão que você nunca se recusou a dar aos outros;

Que você também é digno do amor; 

Que você pode sentir orgulho por ter encontrado a saída de todos os caminhos por onde já se perdeu, ao invés de apenas sentir o amargo remorso por ter passado por eles. 

Que esse garotinho assutado que às vezes te paralisa por completo não é um vilão, ou uma ameaça, é só o fragmento inofensivo dos tempos em que o medo reinava soberano. 

Eu gostaria de te pedir que olhasse mais para o céu em dias de lua cheia, e que orasse de todo coração ao ponto de algumas lágrimas escorrerem. 

Você sabe que existe algo de divino dentro e ao redor de você. Você sempre soube. E mesmo os momentos mais escuros não levaram embora isso que internamente reluz. 

Virão os dias difíceis após os fáceis e voltarão os fáceis em seguida... E quando o tempo for inclemente, você ainda se lembrará de como rabiscar alguns versos e de como plantar algumas flores, tenho certeza.

Eu quero dizer que te amo...

Porque eu já disse isso e senti isso por quem estava tão longe de sentir e dizer o mesmo, mas contigo sempre fui cruel, sempre mostrei algo para  se envergonhar, sempre pedi que baixasse a voz, a cabeça, os sonhos. E eu sinto muito por isso. 

Eu quero dizer que você não é uma fortaleza, nem nunca será. E tudo bem. 

Em alguns dias o vento e a chuva entrarão por suas frestas e você vai sentir como se todo calor e esperança estivessem partindo. E vai doer sentir o gosto do desamparo nos lábios outra vez. Mas quando a tempestade passar, porque ela sempre passa, eu espero ver seu melhor sorriso. 

Quero dizer que eu mudaria sim algumas tantas coisas em você... Mas jamais, jamais pediria que você fosse outra pessoa além desta que é.

 


No ano em que o último amor chegou e partiu plantei a árvore que, mesmo estéril, toda primavera tão abundantemente floresce, e hoje,  com seus troncos já fortes pode segurar o pequeno balanço onde brinca um outro, pequeno e belo amor, este que nunca irá partir. 

E penso no que somos além de crianças ansiosas em um eterno primeiro dia de aula, deslumbradas e temerosas com o pouco que os olhos conseguem vislumbrar do futuro...

As luzes nas ruas e as cantorias pelas esquinas são pequenas fagulhas dessa esperança que sempre ameaçada partir para sempre, mas que nunca está de fato muito longe. 

E penso então em todos aqueles que olham para o céu profundo nas noites mais escuras imaginando que os pequenos pontos brilhantes grudados no firmamento são faíscas desprendidas do sorriso daqueles que o amor tornou eternos. 

E tudo bem não ter como não temer o caminhar por esse vale de lágrimas... Junto das mãos cansadas e dos corações feridos, são essas lágrimas que regam o solo e permitem a sempre aguardada floração.

5 de dez. de 2021

 



"É preciso sentir o calor do abraço de Deus", ela me dizia, com seus olhos repletos de amor e iluminados como pequenos faróis. 

E eu não sabia defender minhas causas, não sabia expor o meu ponto. Talvez Deus esteja em todas as coisas e seja todas as coisas, de alguma forma, ou talvez a simples ideia de algo perfeito cause um colapso em nossa mente tão acostumada ao erro, às rachaduras, à fragilidade dolorida da vida. 

Talvez seja Deus as ruas repletas de luzes coloridas como se fossem mensagens esperançosas;

Talvez seja Deus os guarda-chuvas coloridos sobre a singela boulevard que fazem as crianças ficarem encantadas;

Talvez seja Deus o sorriso de minha mãe diante da fonte luminosa que voltou a funcionar;

Talvez seja Deus a bonança após cada tempestade, e a emersão após cada mergulho no oceano perigoso do desespero. 

E eu percebo então que talvez eu às vezes não perceba o calor do abraço de Deus por nunca ter sentido o frio de estar longe dele,

Porque há ao redor, mais que toda angústia, um sopro milagroso de vida que não cessa;

E eu vejo que mesmo sendo ainda um espírito tão primitivo e alquebrado, há por dentro uma capacidade ainda falha, mas já tão bonita, de amar.

 


Era talvez uma das primeiras vezes em que havendo algo feito um sentimento não desceria do céu, como as suaves últimas chuvas de novembro, palavras e mais palavras para dar forma, esculpir ainda e novamente algo de bonito que logo seria depositado e deixado para sempre nas prateleiras inalcançáveis da ilusão. 

Mas há essa imagem flutuando pela mente que emana uma luz dourada e que por alguns instantes, quando os dias são amenos e cinzentos e as luzes de natal começam se espalhar pelas ruas e praças, quase me faz lembrar dos tempos em que éramos tão jovens e nada assustava tanto porque os rugidos do tempo ainda só eram ouvidos apenas de muito longe. 

As novas canções que já se tornaram antigas canções substituíram o som da velha claridade que aqueles ventos infantis traziam...

E é possível que tenhamos começado a confundir os algozes com os heróis, porque os algozes ao menos parecem nunca mentir, 

Parecem nunca partir.