31 de ago. de 2021

31/08/2021

 


Os últimos ventos de agosto junto aos chuviscos rápidos e preciosos como doces amores adolescentes devolveram o azul do céu e algum verde aos campos.

E esses ventos que brincam com as folhas, com cabelos e com as saias das jovens senhoras acariciam não apenas a pele, mas quase que também o perispírito que aconchega a alma na matéria rude. 

Brincam e se vão para longe após secar alguma lágrima de gratidão que escorre tímida após uma segunda dose de esperança. 

Agora, pelo firmamento deslizam nuvens como aquelas da infância que para mim eram o solo de um paraíso que se erguia reluzente acima delas;

O paraíso que nunca alcancei ou toquei, 

mas que sinto existir;

Tanto tempo depois, elas ainda estão lá, talvez as mesmas, como um sonho que nunca se desfaz por completo. 

Já aqui, pelos rostos ainda ocultos e pelos olhos sem tanto brilho, percebemos que falta um certo tanto para a Primavera, 

E só com muita gentileza e cuidado alguma flor resistente ousa florescer além dos ipês,

Dos ipês que seguem desabrochando como se o mundo não tivesse acabado e renascido centenas de milhares de vezes em alguns meses.

Então me lembro de quando a poesia regressou, tão simplória e gentil, me perguntado o que haveria depois se houvesse um depois, e eu não soube o que responder... 

Talvez ainda não saiba...

Mas agora acredito que o que haverá depois poderá ser,

Finalmente,

O Amor. 

26 de ago. de 2021

26/08/21

 


Quase que feito de vento seguia pelos caminhos esmaecidos por mais um agosto quase eterno,

Aos poucos, a cada passo, tomando consciência do abençoado fardo que o espírito carrega por tanto sentir, 

E sentir de novo,

E ainda outra vez.

Não fosse assim, talvez os delicados milagres que florescem pelas esquinas vazias seriam invisíveis,

As roseiras que resistem exuberantes no jardim não causariam emoção,

E o canto sublime das esperanças seria inaudível.

Então mesmo para os mais singelos atos de coragem é rogada a misericórdia,

Porque quando nada mais houver a ser depurado e a alma estiver convertida em pura luz,

Humildemente,

De joelhos,

Ainda a misericórdia será rogada;

Quem dirá agora quando o coração ainda é um vasto sertão onde raramente poucas flores às vezes desabrocham. 

Já sinto um pouco de falta desses dias que passarão,

Dessa espera suplicante pelo fim da estiagem nos campos e no peito,

Já sinto um pouco de falta da coloração magnífica dos ipês pelas paisagens amareladas, desoladas, 

Com toda a vida em letargia aguardando para renascer na primavera. 

Mas agosto passará, levando consigo seus ganhos, perdas e memórias,

Ficará sua poesia,

E um pouco de saudade,

E pouco de paz.

24 de ago. de 2021

24/08/2021

 


Meu nome repousa no leito de um rio de esquecimento junto a tantas outras pequenas coisas deixadas para sempre;

Apenas os ferimentos que também causei flutuam na superfície, visíveis.

E já não resta nenhuma das flores cultivadas e oferecidas; jazem descartadas como as promessas, como os anseios, como a tola esperança. 

Talvez seja pelo céu coberto de cinzas, pela estiagem que parece nunca ter a gentileza de um fim; talvez seja pelo acidente com uma fotografia; e pequenos estilhaços quase perigosos de dias sepultados são levantados de suas tumbas pelo mesmo vento inclemente que a tudo encobre de poeira e nostalgia. 

Não era nada tão grande para doer como doeu - eis o pior. 

Era apenas o mundo desabando e tornando qualquer abrigo um imenso palácio,

Mas ainda que este abrigo fosse uma armadilha,

E os dentes de ferro tenham deixado marcas profundas,

Era um abrigo. 

Contudo, como se de algo soubesse, eu dizia à atenta e forte moça que tudo estava imerso em um inexplicável milagre, e tudo, todos os movimentos, todas as palavras, todos os gestos; tudo era uma resposta de gratidão. 

Então junto ao vento sopro as jovens assombrações de volta ao seu repouso. As canções tristes findam e a noite morna reina soberana e quase silenciosa. 

É tarde para quaisquer saudades,

É cedo para viver de lembranças.

22 de ago. de 2021

22/08/2021

 


Eu posso ver a alma luzindo até tão mais bela do que a carne que é seu sagrado abrigo. 

E a canção me transporta para o puro oceano de esmeraldas, seu lar. 

Por alguns raros segundos os olhos inundam e eu posso mergulhar no impossível,

Por alguns raros segundos...

Como se o mundo não fosse cruel,

Como se não houvesse distância, 

Como se todas as flores ganhassem ainda mais cor ao inverno,

Como se fôssemos absolvidos de todos os pecados. 

Apenas crianças cercadas de vida por todos os lados, 

Com o sol tornando em ouro as águas cristalinas que santificam nossos espíritos,

Com o tempo passando dócil, 

Quase sem doer;

Nenhum caos, nenhuma saudade,

Apenas imersos nas ingênuas pequenas utopias nos permitindo ser livres.

21/08/2021

 


Quando eu canto eu não ouço os fantasmas assoviando falsas premonições tristes. 

E ainda que a minha voz não possa atravessar a armadura rude da realidade, nos sonhos, através dela eu ainda posso alçar voo como nos tempos em que havia amor e o amor me abrigava em fortaleza impenetrável. 

Quando eu firo as mãos cavando a terra pedregosa, semeando na esperança de que algo floresça mesmo no auge de um inverno hostil, não posso sentir que outras partes sangram. 

Então alguma beleza singela vem à tona pelos cortes feitos na terra e na alma.

Quando eu fecho os olhos e suplico pela fé, eu posso imaginar o céu azul, azul, muito além do manto escuro de onde chovem cinzas. 

E sorrio de alívio...

Assim eu desdobro os joelhos e volto ao caminho,

Talvez não tão mais sozinho.

19 de ago. de 2021

19/08/2021

 


Há algo de santificado na ventania que aos poucos desnuda os velhos ipês e os prepara para a floração no setembro que se aproxima. 

E é apenas o vento também a acariciar os traços perfeitos da escultura divina que silenciosamente parece flutuar junto às folhas que dançam graciosamente no ar.

E nem é tanta a claridade que trazem tais pequenos fragmentos de beleza em meses tão áridos, fragmentos que velozmente se desfazem sozinhos, mas eles abrem um pequeno portal para os dias em que a cidade amanhecia mergulhada em uma bruma leitosa e o coração, mais que pulsar, quase que cavalgava embebido de utopias e do perfume dos alecrins do campo. 

Agora, há o sol inclemente e ao mesmo tempo que gentil. 

Sob a sombra generosa da monguba afrente do antigo santuário, o artista prepara suas palavras para o atento e escasso público. 

Eu sorrio pela arte resistindo como as últimas folhas daqueles velhos ipês nesses tempos tão agrestes.... Parece, olhando assim, meu Deus, por um instante, que a vida volta para aqueles seus antigos bonitos trilhos.

E o sacrifício do artista que se contorce com seus velhos e sujos figurinos, tentando através do seu suor e alma alcançar e tocar aqueles poucos olhares que lhe seguem os movimentos, emociona aquele que em momentos assim quase se vê como um poeta por ainda conseguir pescar esses pequenos milagres no início das tardes.

18/08/2021


Não resta tola força ingênua como aquela que tentou laçar e manter por perto forças celestiais que por breve tempo lançaram fogo e vida ao coração primitivo. 
E o que resta, esconde-se bem, eu sinto, entre culpas, ânsias e esperas.
São novamente dias quentes de céu opaco e esperanças rasas, mas a alma não deixa de tremer, não deixa de mergulhar aflita em busca de uma paz plena que sabe não poder alcançar. 
E eu temo ao notar no antigo brilho dos olhos o que talvez já sejam passados dias dourados, onde não se conhecia nada a se temer. 
Se é que existiram tais dias, já quase não sinto-lhes o perfume e a doçura. 
E quem ainda sente?
O que ficou foi a poesia amarga de agosto, versos cansados, palavras enrijecidas. Essa casca delicada e furta-cor sobre a superfície da vida;
Uma armadura frágil, uma espada de vidro que empunho quase inutilmente diante da besta-fera realidade que a tudo tenta devorar sem misericórdia.

17 de ago. de 2021

17/08/2021

 


Ainda que repleta de um aspecto desolador, 

Era tão belo o esforço da claridade em derramar algum encanto sobre toda a cidade.

E toda tentativa é nobre,

Cismava.

Depois dos últimos dias de agosto, depois do fim da dura estiagem e depois que nada mais restar para ser sugado das já exaustas lembranças, talvez algumas partes da alma conhecerão o alívio da cura. 

Por enquanto, nos sonhos são os velhos inimigos quase que os únicos rostos conhecidos quando já nem é possível mais saber do que se foge e o que se teme. 

E é apenas o amarelo acinzentado da tarde que lança alguma magia sobre as certezas e as dissolve bem diante dos olhos. 

Ainda que uma magia suja; a fumaça das flores incineradas que sobem ao céu e entristecem o sol.

Mas está tudo bem enquanto houver solidão ou amor, desde que as duas coisas não coexistam;

Está tudo bem enquanto não chegar o último capítulo, a última página,

Está tudo bem enquanto ainda restar mesmo que entrelaçada e sufocada pelo peso das horas, algum fragmento de poesia. 


14 de ago. de 2021

14/08/2021



 Uma luz cansada tinge de bronze as ruas sonolentas,

E essa claridade parece devolver a vida a alguns pequenos pedaços de recordações que foram ao longo dos anos sendo deixados pelas calçadas e caminhos. 

E é esse um dos poderes de agosto:

Trazer para a superfície da tarde vivências que agora soam mais belas e importantes do que realmente foram,

Mas eu aceito o abraço macio dessas saudades de pouco significado.

Ao menos, é um abraço, um aconchego.

E eu sei que os novos versos se juntarão aos velhos versos, correndo todos rio abaixo até um mar de esquecimento que os dissolve e eterniza;

Mas eles se achegam...

Porque há o sol que se põe atrás das crianças que pulam e cantam, ainda protegidas de ver a dor em tantos cantos,

Há as moças que sorriem enquanto caminham talvez sonhando com algo mais belo para além do horizonte,

E os moços que sorriem por talvez ter o coração floreado de esperanças. 

E há a mim, que a tudo observo,

Só, simples e invisível,

Também banhado pela luz morna que se deita,

Também me fragmentando pelas ruas e me tornando memória. 


13 de ago. de 2021

13/08/2021

 


De algum lugar talvez você também esteja notando que o azul do céu tem se desbotado, 

E tenha suspirado de apreensão diante de tantas vozes embaralhadas;

Sons confusos sobre salvações e perdições,

Sobre o fim e o início dos tempos. 

De algum lugar talvez você esteja procurando a minha face nas faces ao redor,

Também sem saber quem sou,

Também sem saber se um dia vou chegar. 

E eu penso que os anjos erraram quando disseram que não é necessário segurar outras mãos para alçar voo a algum paraíso que ainda possa ter restado,

Porque meus dedos não perdem a insistência de buscar pelo vazio o calor de outros.

Em verdade, é bem provável que as velhas utopias tenham se tornado apenas alucinações que vagam soltas em todos os agostos, e estejam já empalidecendo e desbotando, como este céu.

De algum lugar talvez você pense que é possível encontrar alguma beleza esquecida por acaso em caminhos estéreis e mal iluminados, como eu. E talvez sinta algum conforto ao ouvir o ronronar doce e melancólico da cidade pelo fim da tarde, e se deixe sonhar um pouco com leves e novos dias.

11 de ago. de 2021

11/08/2021

 


É como se fosse algum agosto passado...

As folhas dos velhos ipês despencam da mesma forma como antes, preparando-se para mais um poético epitáfio,

O ar traz algum perfume de não muito longe junto ao cheiro sufocante e adocicado de canaviais em chamas;

A gentil donzela recebe rosas pelo meio da tarde, 

As crianças correm e desobedecem encantadoramente como era há não muito,

O velho lar de orações anuncia a reabertura de suas portas;

E eu entendo a mensagem delicada da vida que resiste florescendo lentamente por entre os escombros dos dias e dias que foram desabando sobre si mesmos.

E é como se fosse um agosto completamente novo...

Sem adeuses, sem memórias, sem sonhos famintos.

Assim, ainda que do céu opaco as águas não anunciem uma bendita queda, 

Dos olhos alguns rasos filetes de gratidão enfim escorrem.

8 de ago. de 2021

08/08/2021

 


Já não são as mesmas ruas de domingo...

Alguns olhares pelas calçadas brilham pelo cansaço de não ter esperança, 

Então os vejo avançar lado a lado, de mãos dadas,

Como se por algum tempo nada pudesse doer,

E estes que caminham em busca de alguma beleza instalada em uma esquina qualquer ainda têm os sorrisos escondidos, mas não mais proibidos. 

E eu também sigo quase leve, perdido nas mesmas pequenas orações fragmentadas de menino, orações que se misturam com velhos poemas sobre antigas luzes e sonhos,

E me imagino então sorrindo também... talvez um pouco mais próximo do paraíso do que estive antes do medo limpar e curar feridas que causavam vergonha. 

E me imagino então sorrindo também... por toda poesia adormecida no futuro, só esperando a alma se aquecer um pouco mais para desabrochar, colorindo e perfumando novamente os momentos em que sol se deita e as estrelas se levantam.

6 de ago. de 2021

06/08/2021

 


Era preciso viver mais para versos melhores,

E o mundo ainda em pausa, 

Ou ao menos apenas eu em pausa,

Pelos que se foram ou quase se foram,

Por respeito, 

Por medo. 

E sim de novo o mesmo céu de agosto, 

Um pouco mais frio,

Um pouco mais cinzento,

Um pouco mais triste,

Com a mesma estiagem brava de sempre,

Ou um pouco pior que sempre,

Dizem,

Levando quase todas as cores dos jardins cultivados pelas sorridentes senhoras de bairro. 

E eu penso que alguns tentam frear o presente em nome de uma poesia pálida, fraca,

De uma nostalgia que não dá frutos e não tem perfume;

Os livros velhos e bem organizados que ninguém nunca mais lerá fazem isso,

O vento empoeirado faz isso,

Os poetas fazem isso,

As novas canções que já se tomaram velhas canções fazem isso,

Eu faço isso. 

Porque parece ser mais precioso algo de belo vivido do que a expectativa de dias mais luminosos que tardam a se anunciarem.

Como poderia ser diferente? 

E vamos ficando velhos sem crescer,

Ainda pequenas crianças melindrosas só querendo um dia de sol para brincar lá fora. 

5 de ago. de 2021

05/08/2021


Inocentes luzes na jovem noite de agosto brilham acima do pequeno circo itinerante,

E brilham também os olhos por um instante.

E mesmo com seu vazio, 

Sem crianças correndo com doces e encantos,

E mesmo com suas lonas cerradas,

Com suas arquibancadas sem público e seu picadeiro sem quem a este anuncie o maior espetáculo da Terra;

É possível que a magia ali adormecida lembre a quem passa veloz subindo e descendo pela velha ladeira não apenas sobre os passados dias que eram repletos de preciosidades simples e tangíveis, 

Mas do sabor e do perfume de uma esperança que talvez não tarde a renascer. 

E brilham também os olhos por um instante... Brilham... diante do nascimento de um último poema bobo e enternecido,

Que é sempre o penúltimo, 

Que é sempre o antepenúltimo;

Porque pelo solo do coração desabrocham ainda e lentamente sentimentos puros, 

Feito flores delicadas,

Que sempre perecem pela aridez da realidade,

E que sempre ressurgem diante da primavera.