25 de jun. de 2022

Gravidade

 


Havia um último resquício de recordação,

Recordação do trajeto, da busca, do caminho. 

Um último resquício guardado, amassado,

Quase esquecido, no fundo da pequena caixa de papelão,

Uma caixa de memórias. 

Um bilhete, uma passagem,

De onde eu voltaria, 

Metaforicamente,

Apenas quase dez anos depois. 

Não era amor, não apenas,

Era mais. 

Era o céu, o ipê florescendo em fevereiro,

Era toda a imensa distância,

As estrelas cadentes e ascendentes,

Era toda uma trilha sonora,

As novas roseiras plantadas no jardim,

Era toda a esperança e poesia do mundo;

Era o último amor:

Que agora, 

Nada é.

Então para junto dos discos,

Do suéter perfumado,

Do único anel de prata usado,

Vão os pequenos pedacidos de papel,

Dissolvendo-se também no mar ácido do tempo. 

Mais um último adeus que floresce no gigantesco jardim de adeuses, 

Mais um último poema,

Mais um último minuto silêncio,

Pelo que tanto prometeu ser.

Cessa enfim o poder da sua gravidade...

Nada entre mim e o espaço longo, infinito.

Mas eu me lembro de um último gesto de doçura 

Onde me dizia que meu amago é que luzia

Quando eu acredita apenas refletir claridades distantes. 

Agora vejo, é pouco, mas a cada desabrochar, a cada passo afrente,

O coração pulsa em luzes sutis...

Mesmo agora, principalmente agora,

Em que você não mais faz morada nele.

16 de jun. de 2022

 


Nada, sequer uma fotografia...

Qualquer imagem.

O som da voz perdeu-se também,

Dissolvido por entre milhares de ruídos,

Ruídos emitidos pelas promessas partidas,

Quebradas, em cacos, ferindo-se entre si,

Afiadas pelo passar das horas,

Dos dias, dos meses, dos anos.

E eu, como um fantasma faminto, consumindo

Cada boa memória, 

Cada mínimo fragmento.

Dissolvendo tudo o que foi vivido em palavras fracas, frágeis, empobrecidas,

Retorcendo a minha alma com cada vez mais força,

Em busca do resto de alguma vida,

Em busca do resto de alguma nobreza. 

Então, o gotejar amargo de mais algum sentimento que repousava como um lago intocável surgia...

Mais algumas linhas ilegíveis,

Mais algum canto por todos inaudível.

Mas no mesmo sonho assombrado

Onde você destruía toda minha fortaleza,

Apenas por existir,

Onde você vagava displicente 

Por meus tantos vazios,

No mesmo sonho repleto de um profundo adeus,

Um abraço morno...

Um sorriso brando...

A luz do sol nascente escorrendo das janelas,

Inundando a cama, os lençóis. 

Um nome já esquecido,

Eu, digno do amor outra vez,

Talvez,

Ainda mais, até. 

4 de jun. de 2022

 


Eram e talvez, 

Em alguns momentos inocentes,

Ainda sejam

As palavras

Os raios luminosos a derreter

A gélida e grossa

Camada de realidade

Que cobre a superfície 

Acima de mim.

Eram e talvez ainda sejam elas,

Apenas elas,

A desnudar a doçura de alguma canção 

Por entre as noites em que o silêncio,

Falso e estranho,

Corta lentamente a pele da lucidez.

São elas, ainda, talvez,

A adornar de memórias preciosas,

Não vividas,

A envolver de aromas raros,

Imaginados,

Alguma ilusão sutil que suavemente sorri

Enquanto vaga vagarosamente

Por essas ruas que já foram tão minhas.

São elas, eu sei, 

Unicamente elas,

A persistir e ficar

Junto de mim,

Das minhas mãos,

Removendo pedras,

Plantando roseiras,

Como disse a mestra.

São elas, eu sinto, que renascerão,

Ainda que menos vivas, 

Ainda que mais esquecíveis,

Enquanto algo de Belo sobreviver no coração.