28 de out. de 2014

Ainda aqui


As damas falam de paraísos distantes.
Minha alma suspira,
Como um fantasma preso na escuridão,
Imaginando inatingível claridade.

Ainda que belas, as manhãs silenciosas já não são o bastante.
Algo sussurra: 
Há vida além do silêncio, cultivador de sentimentos.
Há vida além do sabor insosso dos mesmos ventos que te acariciam.

Não fui mesquinho.
Deus talvez me puna por outros pecados,
Mas não por ter oferecido migalhas de mim,
Não por ter entregue qualquer mentira.

Dos meus únicos tesouros: fé, amor, esperança;
Jamais fiz um castelo solitário,
Onde apenas minhas quimeras pudessem residir.
Não existem portas, não existem armadilhas.

Mesmo após a devastação,
O espírito foi ao jardim regar flores que resistiam à estiagem.
Salvou as flores e por elas foi acolhido.
Adormeceram juntos, com suas humildes belezas e grandes fragilidades.

As partes levadas, ressequidas, destruídas
Não retornaram nem retornarão.
Mas outras pilastras brotam lentamente onde as velhas ruíram.
Algo ainda sustenta em pé o coração.

24 de out. de 2014

As rosas já não são as mesmas


Não são as mesmas, as rosas.
Parecem mais frágeis, ansiosas, passageiras.
Mas talvez durem mais que a eternidade prometida pelo amor;
Uma eternidade curta demais.
Talvez resistam às chuvas e às estiagens,
Brotando, sofrendo, desabrochando. Firmes em seu propósito. 

Não são as mesmas, as dores.
Finalmente velhas cruzes foram substituídas por novas.
E esta dor, que também parece ser grande demais, longa demais;
É tão mais bela que a antiga dor.
É a dor em resposta pela fé e pela esperança, 
Não a dor pela fraqueza e covardia.

Não são os mesmos, os caminhos.
Caminhos, como sentimentos, são feitos de sorrisos, olhares, cores;
Não de pedras. 
As pedras estão apenas em alguns corações, talvez não em todos.
Mas minhas pernas permanecem minhas, e ainda que tolas,
Buscam sempre a melhor direção.

Não é a mesma, a alma.
Nasceu e morreu solitária e sonhadora em seu jardim esquecido.
Se expandiu como um fruto belo e suculento;
Um fruto não colhido, agora murcho e amargo. 
Porém, talvez, a alma não seja o fruto ignorado,
Mas a árvore esperando a próxima chuva da primavera para reflorir. 

19 de out. de 2014

Certeza

Abstenho-me da terrível condição de crente.
Não quero a fé, não quero crer, não quero a esperança
(Na vida, em Deus, nos Homens, no Amor).
Quero o saber, ainda que pouco cintilante diante das maravilhas da imaginação.
Quero a consciência, ainda que em grau defeituoso e limitado,
da força da vida, da residência que Deus faz em mim, da bondade do Homem, da existência do Amor.

16 de out. de 2014

Ausência


Deve haver um lugar onde jazem 
todas as belas coisas sufocadas pelo silêncio.
Deve haver um lugar onde repousam 
as flores queimadas por um sol indiferente.

A esperança, insistente como as bravas roseiras,
luta para continuar a oferecer cor e perfume.
Mesmo em tempos tão ressequidos,
mesmo entre tantos sentimentos desperdiçados.

Elas, a esperança, a fé, não desistem.
E fico feliz, pois eu já desisti.
Mas elas são tão bonitas e alegres
que permaneço as seguindo.

Poupo as lágrimas para as dores e os medos insuportáveis.
Aceno com gentileza para o sonho que me desdenha.
Aconchego-me nos braços frios da ausência e quase sinto paz;
Uma paz insossa, infértil, como a de um vale onde tudo já pereceu.

11 de out. de 2014

Evanescência


Implorei para que o tempo se confundisse.
Que o passado fosse o presente,
Que o presente fosse passado,
Que o futuro continuasse pertencendo a Deus.

Dos tantos absurdos que já desejei,
Talvez ainda deseje,
Mudar a ordem do tempo não é dos maiores.
Acredite-me.

Mas o tempo não age da mesma forma que os bons amigos:
O tempo não me deu ouvidos, não deu qualquer atenção.
E nem quis acreditar quando vi a mim mesmo chorar num canto escuro,
Encolhido, fetal, imperceptível, como noutroras tão distantes. 

Implorei para que o tempo voasse.
Rápido e para longe, levando tudo, tudo...
Mas ele permanecia inalterável, frio, silencioso.
O tempo até se parece com o amor.

Desisti das súplicas.
Que cada dia fosse uma batalha a ser vencida então.
Que cada manhã fosse um renascer,
E cada anoitecer, uma coroação.

Agora não sei como o tempo funciona,
A certeza é que ele passa;
Levando algumas coisas, 
Deixando outras.

Nessas idas e vindas, vão pedaços da alma.
E ao contrário da penetração dos sentimentos, tão vivos,
Não doem as partes que morrem. 
Morremos educadamente, sem alarde, sem gritos...

Vamos evanescendo, eu, os dias, os sonhos, as memórias.
Como nuvens de primavera num céu quente demais.
Vamos esquecendo a amplidão, a euforia, o sabor.
Os pequenos milagres voltam a ser grandes, pois são os únicos.





9 de out. de 2014

Natureza morta


Somos um vale de lamentosos,
Perdidos em agonias.
Ásperos, cansados, maltrapilhos, lacrimejantes.

Que dias, Bom Deus!
Sem nuvens no céu,
Sem água no chão!

O horizonte ergue-se negro de maus presságios.
Meus ossos enfriam e tremem,
Minha carne queima.

Não só eu caminho contra minha natureza,
Remo contra minha própria correnteza,
Mas tantos e tantos. Nos matamos aos poucos.

Li uma frase displicente:
"Somos instantes"
E meu peito se comprimiu, comprimiu...

Não pode ser, não podemos ser.
Precisa haver algo mais, algo além, algo que sobreviva.
Não me consola a beleza frágil das flores, 
Quero a sombra eterna das árvores!

É ingratidão, bem sei:
Mas qualquer memória é mão rude a apertar minha garganta.
É tolice, bem sei:
Mas ainda acredito que existe algum futuro.

6 de out. de 2014

O preço


Pago o preço da minha fé. Pago justo e certo.
Ainda que lacrimejando, 
contando estrelas inexistentes num céu de concreto.
Mesmo sentindo algo devorando meu âmago,
consumindo minhas entranhas, deixando horrendo vazio.

Pago o preço da desilusão.
Cada centavo que ela cobra ao bater em minha porta,
pontual e fiel.
Os olhos que enxergam um mundo inexistente estão no meu rosto,
sou o responsável por seus tantos enganos.

Pago, e continuo.
Pois se é verdade que dói tanto ver a flor murchar e morrer,
É verdade também que a isso antecedeu-se o sorriso,
O sorriso sincero ao ver o botão, ao ver a flor preparar suas pétalas
com tanto capricho.

Viver é morrer todos os dias.
Algumas vezes, uma morte pacífica; vem mansa, sem estardalhaço.
Nos leva a alegria como um pássaro que deixa a vida voando,
Só fecha os olhinhos...
Vai voar nalgum paraíso distante.

Outras, a morte é cruel.
Nos come aos pedaços, bruscamente.
Vai sugando faminta a seiva tão bela da alma.
E jorra lágrima, palavra, oração, súplica,
Mas nada impede que ela termine seu serviço.

Viver também é nascer todos os dias.
Sei disso ao ver a luz do sol banhando o salgueiro
que baila na brisa suave e fresca da tarde.
Sinto isso ao ouvir o coração batendo mais alto
ao ler o poema que desenha minha alma completamente nua.

E o nascer é doce.
Ainda que sem sonhos pelos quais lutar,
sente-se a capacidade de sonhar.
E só esse pouco, essa luzinha de nada,
já dá certo sentido ao correr das horas.

Eu aceito a dor que me cabe, sem altos gemidos.
Farei meu melhor pelo Jardim, ainda que outros olhos não o contemple.
Farei meu melhor, 
pois as borboletas gigantes gostam do sabor da Primavera,
E eu gosto das borboletas gigantes...

5 de out. de 2014

Morte e vida


É engraçada,
não,
É estranha.

Melhor: é absurda minha relação com a esperança.
Quando estou prestes ao fim, ela nasce e me salva.
Mostra uma bela palheta de cores com que eu poderia repintar o mundo.

Quando todos os outros sentimentos já partiram,
Ou me partiram, ela surge, como uma heroína mitológica,
Livrando-me das correntes do desespero e da solidão.

Então, ela se instala.
E quando tudo parece calmo, ela começa a crescer...
Invade todos os cômodos da alma com seus galhos e raízes.

Me comprime. Rouba meu ar. Rouba a visão do mundo externo.
Quase me leva à morte por inanição;
Por consumir toda minha razão, todo meu instinto.

Então, preciso, não muito delicadamente, destruí-la.
Vou até seu âmago e a enveneno com a verdade.
Ela até resiste, mas acaba por sucumbir e murchar.

Mato a esperança para que ela não me mate.
Então recolho seus restos e sobre eles deixo minhas lágrimas,
Pois, certamente, não queria perdê-la,

Mas precisava; não podemos viver tanto tempo sob o mesmo teto.
Confesso que guardo algumas de suas sementes,
E em certos dias, quando o vento é morno, acabo replantando.

Ver a esperança brotar e crescer e florir é tão lindo...
Quase até me esqueço do dia em que ela tentará me sufocar,
E eu a expulsarei de mim.

1 de out. de 2014

Humano


Não há sangue nestas veias finas,
há canção, memórias, ânsias. 
E nesta mente, nunca o silêncio,
mas pensamentos e sentimentos em constante erupção:
livres, livres, livres.

E são santas as minhas lágrimas e as suas.
São santas nossas dores, nossos amores.
Que Deus se perdoe por nos ter criado...
Que Deus nos perdoe por sermos as mais horríveis criaturas da Terra.
Que Deus nos ame por sermos as mais Belas criaturas da Terra.

Não há nada mais mágico que a realidade;
A rua margeada de hibiscos vermelhos...
Não há mais quem culpar,
mas ainda existem os culpados.
E nesta noite eu não os perdoarei. 

Eu só queria estar certo,
estar certo e dançar uma boa música em uma sala escura...
Sentir aquele beijo que eu via por dentro do sonho,
sentia por dentro,
era por dentro.

Talvez a canção já esteja tocando,
e ainda que o corpo não se mova,
a alma gire desvairada na brisa da madrugada.
Talvez o sonho tenha sido mais real que este agora.
Talvez eu esteja certo.

"...uma tarde no seu jardim."


Que dolorosa foi a vertigem!
Que cruel foi a ausência de ar!
Enfim, à tona, após mergulho terrivelmente escuro.
Como é saboroso respirar!
Como fez falta!

Ainda que por instante, evapora a aspereza do mundo.
Se quer algo de mim, é do que há em mim, apenas.
Se me vê, vê o que existe, sem rebuscada moldura,
que de fato não tenho,
que de fato não quero.

Enquanto flutuo ao lado do bosque no fim da rua,
o que vejo atrás é apenas o sol poente,
enquanto imagino as mãos que deram vida àquelas árvores,
tão verdes e perfumadas agora, 
após as chuvas de primavera.

E é este o tutano da vida!
É este seu gosto mais doce...
Leve, descomplexo. 
Feito as flores em que um dia pousará os olhos,
negros e cintilantes, como as noites de outubro.

Delicia-me o infinito da existência que reside nas miudezas.
Como pude ser levado a pensar que não?
Que já não há aqui uma fração de paraíso?
Quando nós mesmos somos uma fração dele...
Quando nós, reunidos, somos sua totalidade.