30 de mar. de 2021

Ruas de domingo



Todas as ruas agora se parecem com ruas de domingo; mas sem as crianças correndo nos parques, sem os idosos de aspecto doce e contemplativo pelas calçadas, sem os fiéis reunidos em seus templos com suas orações e exaltações.

Alguns dizem que são tempos sombrios, enquanto outros dizem que são os momentos severos que abrem frestas nos espíritos endurecidos, e que é só assim que a luz entra. Eu não sei quem está com a razão. 

Eu já nem ao menos sei se a razão ainda nos acompanha.

Sei que o mundo não é mais o mesmo... 

Sei que somos extremamente humanos, com tudo de belo e tudo de miserável que tal fato nos concede.

Sei que nossas vidas não são números.

E a cidade naufragada em silêncio, em tanto silêncio, em distância e isolamento, me faz sentir saudade do som daqueles velhos versos que eram como vidros quebrados em uma caixa; versos tolos, ingênuos, em resposta a amores frágeis e sonhos tão delicados que o sopro do tempo levou para sempre.

É então que a poesia se achega, repousa no meu colo... 

Tão querida e fiel amiga.

E mesmo com tanto a ser dito, o que faço é não conter o pranto. Também tenho medo, também tenho frio, também estou sozinho.

Mas o pranto é, sobretudo, em oração pela Esperança que ainda não debandou dessas terras, nem desse peito. 

A Esperança, o pequeno dom que restara no fundo dessa Caixa de Pandora que se tornou a realidade.

Agora que temos os lábios escondidos, aprendemos então a sorrir com os olhos; agora que não podemos contemplar a beleza de novos campos, aprendemos a semear nossos próprios jardins.

E eu enfim entendo a cidade como entendo meu coração. Essas ruas e caminhos abandonados por onde já não se deve mais caminhar...

Pequenos e grandes vazios, lá fora, aqui dentro.

O que virá depois se houver depois?

Abrir, talvez, essas comportas.

Dar vazão.

Deixar livre toda essa beleza contida.

Renascer.

A claridade cinematográfica da tarde ronda os pensamentos junto de uma brisa de perfume delicado.

Uma canção ajuda a criar lembranças de coisas que nunca aconteceram.

É o coração... mais uma vez se recusando a parar de bater. 

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De "Dez anos de poesia".

15 de mar. de 2021

10/03/2021


Março nasceu entre céus escuros e isolamentos ainda mais duros. 

E até nos dias de sol abundante e de insistente canto de pássaros, parece não haver claridade, não haver melodia. 

Mesmo os insensatos sentem algo errado dessa vez. As ruas não sorriem, os olhos não brilham, e há pouco me foi dito que perdemos também o direito ao medo. 

Então o olhar busca no fundo do horizonte um fragmento azul que prenuncie tempos mais brandos.

Em versos encontrados ao acaso, a poetisa me diz que a primavera chegará, mesmo que ninguém possua jardim para recebê-la...

Mas procuro insistir na semeadura para que ela saiba que eu ainda a espero, ainda me importo. 

As flores já não serão as mesmas, delicadas e efêmeras, sucumbirão às águas e ao sol; os versos também já não são os mesmos. Não há tanta saudade ou tanta esperança para que tragam do que adormece no fundo da alma alguma emoção. 

Mas procuro insistir na semeadura...

Para que se um dia os sorrisos forem livres e as mãos acessíveis de novo, eu tenha uma colheita a oferecer. 

Pois como as tais sementes, ainda que inerte, o coração permanece cheio de vida.

7 de mar. de 2021

08/03/2021




 Todas aquelas e estas incontáveis, infindáveis linhas agrupadas tentando transmitir uma qualquer coisa bonita a outros corações igualmente perdidos, esquecidos, 

Talvez fossem e sejam, justamente por sua singeleza e simplicidade, um sopro morno de poesia sobre faces e mãos cansadas de um inverno incessante. 

Ou no fundo tudo tenha sido sempre apenas uma tentativa discretamente desesperada de perfumar memórias, fossem deslumbrantes ou insossas, e guardá-las por um pouco mais nos tantos vãos deixados após a despedida delicada ou violenta dos mais distintos sentimentos.

É para olhar para dentro e ver alguma beleza e significado nessa ópera infausta e egoísta que designa os passos que a vida deve dançar;

Foi para dizer de uma mil e uma formas que amei. Antes, durante e depois de todos os adeuses, quando ainda se podia caminhar sem medo pelas ruas de sol poente, derramando ou não lágrimas justas, eu amei;

É para falar das luzes e também da fé que sempre se despede chorosa...

É certo que as abundantes águas de março não têm lavado as almas do medo, mas os campos verdejam e eu sigo floreando os muros sem vida, dentro e fora; por um instante preso nessa fenda que separa a saudade da esperança.