27 de jun. de 2023



Em certos dias acordava com um medo

De que o frágil sentido das coisas se perdesse 

De que

De repente

Nada mais estivesse lá 

Em seus lugares nas estantes

Nas rodovias 

Nos corpos e corações 

Um medo quase sem razão

Ou não 

Feito quando era menino 

E temia dormir achando que o dia não nasceria 

Que ao despertar ainda seria noite 

Noite

Noite 

Para sempre noite

Como se o dia se esquecesse de voltar

E por algumas vezes aconteceu 

Os objetos sumiram das estantes 

Os carros não encontraram as rodovias 

O coração se partira

Por algumas vezes 

A noite foi longa 

Tão longa que quase não se viu claridade alguma ao amanhecer 

Um dia estranho

Com uma luz suja

Cansada 

Ali só por obrigação

E não houve quem voltasse ou quem chegasse 

Quem dissesse 

Estou aqui 

Não 

Só o silêncio de sempre 

Um sopro afiado e frio de realidade 

Então se escrevia 

Porque ela estava certa 

Escrevia-se sim para desabrochar 

De um modo ou de outro 

Para que não se murche e se caia

Como os botões daquela roseira na janela da juventude 

Escrevia-se para dourar de eternidade o efêmero 

Para acender alguma luz perene 

Para que ainda se sonhe

Que algum dia você estará aqui.

 


Preencher de vida 

De saudade

De memória 

Cada canto

Cada canção 

Cada hora 

Tornar bela a noite preta

Profunda 

Para que a alvorada se achegue 

E se encante 

Com os ressignificados

Com os renascimentos 

Fertilizar de passado as terras estéreis 

Esperar que cresça

Floresça

Frutifique

Cem por um

Cem por um

Até que os céus se abram 

E a força do futuro 

Derrube as barragens

E o peito se lave

E dos olhos 

Jorre enfim

Amor.

25 de jun. de 2023

 


A cada dia 

Um pequeno passo 

Sementes nas rachaduras 

Em breve a florescer 

Mais um cômodo resignificado

O perfume

A poesia

A vida

A ressurgir 

Até que o Belo faça enfim morada 

E abra-se as portas da alma em convite 

Sê bem-vindo à minha alvorada 

Ao meu espírito reconectado 

Desfragmentado 

Sê bem-vindo ao meu Lar 

Ao abrigo humilde de sonhos descomunais

Sê bem-vindo a Mim 

Enfim

Renascido.

8 de jun. de 2023


 O mundo ruíra-se por centenas de milhares de vezes 

E reconstruíra-se quase completamente outro em seguida 

Sob os mesmos alicerces 

Então é estranho que por fora tudo pareça igual 

Enquanto no âmago tudo esteja diferente 

Pela primeira vez o novo adeus não fez mais sentido 

Pela primeira vez o que era próximo parecia extremamente distante 

E as palavras tornaram-se relâmpagos 

Pequenos e rápidos clarões na noite que sempre volta a reinar soberana em algum momento 

E por todos os tempos esperava um sinal que não vinha 

Alguma resposta para as perguntas que já não são mais feitas 

Mas esperava 

Esperava enquanto a luz do dia não chega definitivamente 

Enquanto do peito ouve ecos 

Preces e murmúrios 

Exaustivas ânsias 

Enquanto o espírito conserta rachaduras e trincos que sempre voltam a aparecer

E agora em que finalmente se faz algum silêncio lembro-me da indagação:

Qual a diferença entre a poesia e o poema?

A poesia é o presente 

O poema é o passado 

Sonhando com o futuro.

4 de jun. de 2023

 


Este que observa a alvorada em calmaria

Não chegou aqui facilmente 

Ainda que de forma oculta 

Seus pés sangram

Pois foram raros 

E custaram caro 

Os momentos em que caminhou por flores 

Seus olhos fitam o horizonte com suas cores escarlates

E as luzes da manhã iluminam suas cicatrizes 

Algumas rasas 

Outras 

Abissais 

E o tempo irá passar 

Continuará seu cavalgar voraz 

Saltando anos como pequenos obstáculos

Sem nada levar 

Sem nada extinguir ou apagar 

Para que não se deixe de usar palavras como 

Sonho

Saudade 

E esperança 

O tempo irá passar 

Mas agora 

Por um minúsculo instante 

Absolutamente nada dói

E a vida derrama sua misericórdia 

Nas rachaduras do espírito alquebrado

Ainda não é tão tarde 

Mesmo com as portas fechadas 

Mesmo com o profundo silêncio

Mesmo com todos os adeuses.



Novamente 

O que resta são letras e letras 

Tortas 

Ternas 

Acanhadas 

Mal alinhadas 

Abrindo um caminho estreito 

Por onde sentimentos difusos deslizam exaustos 

Sentimentos cambaleantes em sua busca infinda 

Um eclipse nunca mais visto 

Um perfume nunca mais sentido 

Um sorriso nunca mais aberto 

São novos tempos 

Mas agrupo velhas sílabas para celebrar seu nome 

Para que não parta por completo 

Para que a memória não desista de te guardar 

Para que se espere 

Mesmo sabendo não ser possível 

Um nova chance.