24 de nov. de 2022

 


Como não ter medo?

Por vezes a realidade é uma dama cruel

Exata e fria

Como que de olhos vendados

De ouvidos tampados 

Às nossas súplicas e prantos 

E o que é a poesia

Senão essa adaga dourada

Bela e frágil 

Em riste para essa quimera gigantesca

Dantesca 

Que ruge faminta sem cessar?

Mas quando quase me rendo

Ao longe espocam pequenas felicidades ilusórias 

A noite quando chega

É recebida pelo perfume do jasmineiro em flor

As luzes de natal que se aproxima

Encantam nosso olhar cansado

A coragem de minha mãe 

Armada de esperança e fé 

Dilui o medo 

Como chuva de verão limpando a atmosfera

E por fim meu coração bate forte 

Firme

Como se nunca houvesse se partido

Em tantos pedaços 

Tantas vezes

Assim olho então a nobre e brava dama

Fundo nos olhos

E sorrio

Damos as mãos 

Decretamos trégua 

Ao menos por essa noite.

21 de nov. de 2022

 


O sonho primordial ronda pelas madrugadas quando apenas há escuro e ausência 

Arranha portas e janelas 

Lamenta atrás das cortinas 

Me faz acender as luzes 

Errar as palavras das orações 

O nome dos anjos que ainda não voaram para longe

Soltam murmúrios na minha atmosfera

E eu me lembro de quando era um satélite danificado 

Sem claridade própria 

Sem mais uma rota certa

Girando ao redor de uma estrela que parecia imensa

Intocável

Uma inatingível ilusão magnífica 

E eu me lembro dos versos ruins onde nunca pousaria seu olhar 

Eu me lembro

Como se fosse agora o mesmo tempo simples de outrora

E todo esse vazio fosse a face mais grave da realidade

E então eu quase posso ver suas mãos dadas 

Eu quase posso fingir que eu possuo algo que possa perder dessa vez

Mas é apenas mais uma carta endereçada ao fogo pouco antes da alvorada

Mais um suspiro profundo pela confusa mistura do que não foi

Junto ao que jamais será 

E as canções que vêm ao socorro

Tão gastas canções

São gentis luminescências no breu profundo 

Dolorido 

Que apontam um caminho

Como uma trilha de pirilampos

Rumo a mais um esquecimento.


19 de nov. de 2022




Era 1997

E nós

Pequenas crianças diante da grande tela

Onde o transatlântico cruzava oceanos

Fazendo nossos olhos brilharem como as estrelas de uma noite glacial 

Enquanto sentíamos o perfume encantado

Que tempos mais simples exalam

Então 

As primeiras linhas

Os primeiros pecados

As primeiras despedidas

E o mundo se tornou tão menor desde aqueles dias

Mesmo depois daqueles olhos da cor mais rara na natureza 

Mesmo depois do amor e da desilusão

E as ruas da nossa velha cidade ainda são praticamente as mesmas

Um pouco menos seguras

Um pouco menos floridas 

E todos que aqui caminham 

Seguem como se soubessem para onde estão indo

Enquanto olham cada vez mais apenas para dentro de si mesmos 

E todas as novas canções 

Continuam como lamentos por tudo aquilo 

Que não foi

Que não poderia ser

Mas o jasmineiro volta a florescer

E o céu reluz nas suas horas finais

Exatamente como sempre fora

Acima nada está diferente

Há também as primeiras luzes de natal surgindo 

As pracinhas enfeitadas pelas cansadas senhoras 

O sorriso de minha mãe cheio de esperança 

Nada é perfeito

Mas há em tudo algo de tão Belo

Como se a realidade não fosse uma inimiga insensível

Mas quem sabe

Uma elegante deusa

Que todos os dias esculpe

E oferece

Uma nova alvorada.

 



Eu estava ali sonhando com os olhos bem abertos e fixos

Com uma segunda presença, uma primeira voz, uma antiga canção

Uma nova chance

Criando memórias etéreas de um tempo que nunca existiu ou irá existir 

Mas onde brilhávamos e dançávamos como se nós e o mundo estivéssemos curados

E não houvesse mais 

Por um tempo

O que temer, do que fugir, do que se esconder

Sendo um tão grande quanto o outro 

Enquanto olhamos para a mesma direção

Um ao outro

E tudo passando diante de nós

Sem nos atacar por uma única vez 

Ao menos

Sem contaminar nosso coração com medo e lágrimas 

Lágrimas que escorreriam por motivos contrários 

Aos que quase sempre escorrem 

E transformam o meio-dia em meia-noite

Por fim

Segurando sua mão

Admirando seu sorriso 

Caminho rumo à saída 

Desse lento fim dos tempos. 


17 de nov. de 2022

 


Não preciso pedir que ignore as palavras que lanço ao fantasma que restou daquilo que um dia foi maior que quase tudo.

Tudo isso, qualquer coisa sobre isso, é essa brisa suave que move as cortinas e desaparece por si mesma.

Apenas um murmúrio da memória que logo se cala...

Mas eu imagino seu caminhar, seu silêncio, ainda como aquela criatura nobre demais até para o chão abaixo dos próprios pés. 

Essas letras que gotejam dos dedos, do coração, deixaram de procurar sentido há algum tempo, deixaram de comover desde que aquela porta se fechou, talvez para sempre. 

São tempos frágeis, de vitórias modestas, de expectativas vitais, de fanáticos pelas ruas, de dias longos e sorrisos irreais. 

Então escavo a alma, como um artista pouco hábil lapidando uma pedra de pouco valor, buscando algum brilho oculto, algum reflexo raro. 

E assim volto sempre aos mesmos caminhos, na esperança de alguma relíquia esquecida entre os escombros,

E assim volto sempre aos mesmos templos, na esperança de ouvir a voz de algum anjo ainda a entoar alguma sagrada canção.

Nada do que foi será novamente, como já foi escrito em algum verão menos cruel,

Mas ficaram as marcas dos dilúvios, das estiagens, das madrugadas de uma escuridão muito profunda, da ferida cicatrizada com o toque de um ferro em brasa. 

15 de nov. de 2022




 Lembro-me de uma canção 

Daqueles tempos em que a chuva acalmava as espadas

Lavava o sangue dos campos de batalha 

E as lágrimas dos olhos mais cansados 

Lembro-me ainda de tudo

Nitidamente 

Como se os anos não houvessem roubado tanto 

Palavras 

Promessas

Histórias 

E a cada lembrar aquilo se revive 

Refloresce 

Éramos meninos encantados 

De um tempo em que não havia tempo

Ainda somos 

Talvez

De corações tão puros 

Que os segurávamos com nossos pequenos dedos

Ao notar a mais suave brisa fria

Lembro-me de uma voz

De não sentir medo

De um abraço secreto

Sincero

Nos sonhos inestimáveis 

Lembro-me de um jardim 

Da face de Deus na face de Seus filhos 

Lembro-me do Amor

Assim como Ele ainda se lembra de mim.

11 de nov. de 2022

 


Foi ontem

O abraço cheio de ternura,

Algumas lágrimas diante da imensidão incerta do futuro,

Como que dizendo:

O pequeno ponto escuro no peito 

Jamais contaminará todo amor que ali há.

E no velho papel amassado

A lembrança rabiscada:

A vida ainda é forte,

E refloresce.

Agora sinto que chove...

E as tintas frágeis com que pintamos nossos sonhos

Ameaçam escorrer pelos pilares

Que sustentam o coração.

Mas sei que a esperança surge nessas estações assim

Duras,

Inexplicáveis,

Quando as orações perdem suas palavras ordenadas 

E resta o olhar para o horizonte,

Para alguma beleza singela,

Para algum sorriso gentil.

Dói, como não? 

Os anos passando rápido como as águas de um rio

Que ressoa murmúrios sobre o fim daqueles tempos dourados,

Daqueles tempos em que o tempo não existia,

E se vivia de instantes

Costurados na infinita colcha de retalhos da existência.

Hoje então chove, como dito,

Mas chove feito entoado pela canção:

A chuva que deságua feroz 

Alimenta a nascente da vida que o medo tenta,

Sempre sem sucesso,

Secar.

8 de nov. de 2022

 


Nada mais sobre aqueles dias

Mereceria qualquer sílaba

Qualquer suspiro

Contudo

me lembro 

Um farol inatingível 

Aquela luz magnânima confundindo meu olhar

E eu deixando a terra firme

Dando braçadas em um mar escuro

Em direção à sublime claridade 

Que desapareceu ao meu toque mais delicado

Então eu amei a lembrança daquilo que tanto cintilava

Eu amei a memória 

Eu amei a dor

Enquanto as águas me envolviam com indiferença 

E tudo ao redor era imensidão 

E vazio

Tanto vazio

Centenas de páginas e lágrimas depois

Milhares de versos e horas após 

Aporto novamente nos instantes que antecedem a alvorada 

E todas as vozes estão frias aqui dentro

Caladas

Mas há a minha

Ressoando ininterrupta

Como se ainda clamasse

Como se ainda importasse

E eu começo a entender que era eu

A luz distante

A chuva constante 

O oceano obscuro

O porto de onde se partiu

E para onde

Finalmente

se regressou.


 


Não seria a primeira vez 

Que ao ser aquecido por uma voz terna

O silêncio fingiria se tornar menos cruel

E nos cantos da noite profunda

Brilhariam pequenos encantos intocáveis 


Essas pequenas gotas de um elixir mágico 

Que perde seu poder cada vez mais rápido

E logo só resta esse tolo esforço 

Em usar palavras exaustas para lapidar uma escultura 

Que derrete mesmo ao mais gentil toque 


São outros velhos dias

E eu observo todas as antigas poderosas memórias

Agora desfalecidas

Inofensivas 

Encolhidas pelos vastos cômodos vazios da alma


Então uma curta canção

Chovendo sobre o peito que tenta sempre florir

Mas cuja estiagem nunca cessa

E mais versos insípidos

Sobre a saudade de promessas nunca feitas 


Então uma pequena canção 

E todo o mundo a ser reconstruído outra vez 

De novo e de novo

Como um eco se perdendo na escuridão 

De mais uma madrugada como essa.

 


Todas as fontes de onde jorravam aquelas linhas incandescentes 

Parecem ter secado. 

Palavras como adeus, amor, esperança; 

Palavras como luz, espera, sombra...

Exaustas então se deitam pelos caminhos idênticos, vazios,

Aguardando o esquecimento.

Passou o tempo das quimeras,

Depois passou o tempo seguinte dos sonhos,

Depois passou o tempo seguinte da saudade,

E aos poucos fui me distanciando,

Distanciado passo após passo,

Da imensa vitrine abarrotada

Em que todos os expostos cintilam tanto,

E buscam a posição perfeita para causar encanto.

E meu espaço foi sendo tomado,

Minha voz ficando mais baixa,

Meu coração batendo mais seguro,

Menos quente. 

Pois que após cada pequena vitória

Ou grande derrota

Deságua quase que sem aviso a forte chuva

Que prenuncia nova batalha.

E eu assim fecho os olhos...

E quando os abro,

É quase dezembro,

E há ipês brancos florindo

Mostrando que talvez a vida

Ainda cometa alguns erros bonitos...

'Aguente firme.'

Diz por fim a canção...

'Aguente firme até a próxima estação.

É possível que algum anjo gentil logo acolha sua oração.'

4 de nov. de 2022

 


Tantos estrondos por todos os lados,

Não se calam.

Não se calam.

Estilhaços afiados penetrando na mente

Enquanto essa voz gentil demais,

Essa canção suave demais,

Tenta limpar da atmosfera 

A grossa camada escura de ilusão e mentira

E alcançar algo imenso e sagrado 

Que de algum lugar nos observa.

Mas há no horizonte luz tamanha:

Não se apaga.

Não se apaga.

E o que caminha em sua direção 

É aquilo que no peito ainda bate.

Se deixarmos, 

Cruéis como são,

Roubariam até a claridade afrente dos nossos passos,

Nossa primavera, nossa poesia.

Então insisto,

Insistimos,

Temerosos, exaustos,

Insistimos.

Porque se há vida, 

Há esperança, dizem.

Então dançamos pelas esquinas,

Acreditamos que o pesadelo vai acabar,

Abraçamos como se o pior já tivesse passado,

E sorrimos,

Como se o amor existisse.