Todas as ruas agora se parecem com ruas de domingo; mas sem as crianças correndo nos parques, sem os idosos de aspecto doce e contemplativo pelas calçadas, sem os fiéis reunidos em seus templos com suas orações e exaltações.
Alguns dizem que são tempos sombrios, enquanto outros dizem que são os momentos severos que abrem frestas nos espíritos endurecidos, e que é só assim que a luz entra. Eu não sei quem está com a razão.
Eu já nem ao menos sei se a razão ainda nos acompanha.
Sei que o mundo não é mais o mesmo...
Sei que somos extremamente humanos, com tudo de belo e tudo de miserável que tal fato nos concede.
Sei que nossas vidas não são números.
E a cidade naufragada em silêncio, em tanto silêncio, em distância e isolamento, me faz sentir saudade do som daqueles velhos versos que eram como vidros quebrados em uma caixa; versos tolos, ingênuos, em resposta a amores frágeis e sonhos tão delicados que o sopro do tempo levou para sempre.
É então que a poesia se achega, repousa no meu colo...
Tão querida e fiel amiga.
E mesmo com tanto a ser dito, o que faço é não conter o pranto. Também tenho medo, também tenho frio, também estou sozinho.
Mas o pranto é, sobretudo, em oração pela Esperança que ainda não debandou dessas terras, nem desse peito.
A Esperança, o pequeno dom que restara no fundo dessa Caixa de Pandora que se tornou a realidade.
Agora que temos os lábios escondidos, aprendemos então a sorrir com os olhos; agora que não podemos contemplar a beleza de novos campos, aprendemos a semear nossos próprios jardins.
E eu enfim entendo a cidade como entendo meu coração. Essas ruas e caminhos abandonados por onde já não se deve mais caminhar...
Pequenos e grandes vazios, lá fora, aqui dentro.
O que virá depois se houver depois?
Abrir, talvez, essas comportas.
Dar vazão.
Deixar livre toda essa beleza contida.
Renascer.
A claridade cinematográfica da tarde ronda os pensamentos junto de uma brisa de perfume delicado.
Uma canção ajuda a criar lembranças de coisas que nunca aconteceram.
É o coração... mais uma vez se recusando a parar de bater.
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De "Dez anos de poesia".
Que os futuros velhos versos lhe venham tangenciar com o calor que o distanciamento nos desacolhe. Belo texto :)
ResponderExcluirQue assim seja... Que as ruas e as pessoas tenham de volta esse calor hoje tão distante de nós. Obrigado 😊
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