25 de nov. de 2014

Frasco


Por raros momentos essa imensa dor me alegra.
Ao menos uma vez eu fui inteiro.
Ao menos uma vez entreguei todo o pouco que era,
Sem pensar se teria algo de volta, se teria a mim mesmo de volta.

Não tive. O fim, como todo fim, foi devastador e inexplicável.
Também foi doce, apesar da amargura das incontáveis lágrimas.
Você partiu, e não só.
Levou consigo as claridades, os aromas, as canções, as estrelas.

E aquele que eu não queria mais ver,
Aquele ser pequeno, abandonado, ignorado, desconectado da realidade,
Bateu imediatamente na porta que você fechou.
Abri e me recebi. Às vezes ele parte de mim, mas sempre volta.

A dama me diz numa manhã insossa: "Não permita partir sua essência.
Não deixe a tampa meio aberta. Não se perca aos poucos."
Qual seria essa essência? O que de bom ainda se acumula?
Então entendo: não sou essência. Sou frasco.

Não sou o perfume raro, ou comum.
Sou o recipiente que guarda e distribui.
Por isso doeu tanto: não foi a mim que perdi, 
mas o elixir divino que abriguei por instantes.

Abrigos não são prisões.
Abrigos são ninhos, cresce-se neles e deles se voa um dia.
Pois o mundo é vasto, como vasta é a alma.
Volto a ser ninho, volto a ser frasco. Ainda que vazio.