14 de nov. de 2021

 


 É estranho não ser mais um grande esforço conter as palavras que por anos fluíram como uma barragem rompida. Agora, até pequenas ilusões que mal tiram algum suspiro mais profundo mostram ter um sabor mais intenso. 

E é então isso que existe depois da eternidade; depois da última borda da galáxia, o após, o além para onde o universo ainda não se expandiu. 

Mas eu sempre encontro uma forma de olhar para trás, porque lá fora os campos verdejam outra vez, mas aqui dentro a estiagem parece ser permanente; assim volto em uma busca infausta por algum detalhe que não tenha sido lapidado, lustrado, colocado diante da luz para que eu veja seus últimos reflexos coloridos. 

Então eu me lembro, ah sim... Nós cruzando o sinal vermelho que se derretia junto da água salgada e abundante que escorria dos olhos, e da sua voz me chamando de anjo pela última vez. 

Muitos outros sinais velhos foram cruzados depois, mas sua voz nunca mais foi ouvida. 

Quando será que você se livrou do cachecol branco que lhe dei?

Quando será que crescemos o bastante para aprender quando desistir? 

Sei que os anos tiram quase tudo, e a única prova da nossa existência se resume ao velho bilhete do ônibus que me levou para sua cidade rude, este que não tive coragem de queimar. 

E eu sempre falo como se alguém me ouvisse, e continuo e continuo... um monólogo confuso e quase constante; um pedido de socorro, as últimas pinceladas em um quadro que nunca fica pronto; eu continuo, como se não fosse só eu aqui, livre por entre essas linhas, como nos sonhos onde de tanto preciso fugir, mas onde também posso voar. 

A saudade que ficou é de mim.

A saudade é daquilo que um dia despertou daqui do fundo e era tão, tão bonito e que eu me esforço e me esforço, mas que não sei mais como extrair. 

Só sei que está ali, inteiro, intacto, latente. 

As palavras talvez nunca tenham sido para você, para ninguém. Para nenhum anjo, para nenhum demônio. Elas todas foram e são para esse fragmento belo, precioso e sagrado de vida tão bem oculto. Elas foram e são pequenas pedras colocadas com paciência e delicadeza na contrução de uma ponte que um dia, finalmente, me levará até mim mesmo. 

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