29 de jun. de 2021

29/06/2021

 



Tão pouco deslumbre para mais essa correnteza quase descabida de linhas e linhas.

Páginas e páginas rumo ao fogo simbólico do esquecimento.

Tão melhor já falaram desses ventos duros de inverno, desse céu azul enfeitado com fitas brancas de nuvens, desses ipês que florescem de forma tão bela e fugaz. 

Tão melhor já disseram sobre a saudade, sobre o olhar fixo em um horizonte sem grandes encantos, e sobre a angústia de tempos incertos, e sobre os sonhos levados como poeira e cinza pela brisa. 

E se for tudo solidão? 

O frio, o vento, a noite em pleno dia, o silêncio cortado de fora a fora por uma nota ruim e ininterrupta? 

E se for tudo a solidão que a tudo devora? 

E a utopia em parir sílabas e sílabas, seja o alimento pouco nutritivo dessa besta-fera que nunca se sacia? 

Se já não te espero, pelo que espero? 

Os campos, talvez...

Um silêncio puro, enfim. 

A luz que realmente guie.

Sobre o concreto dançam os mesmos chorões como fora há anos. 

Mas há anos eu não estava com os pés em uma armadilha que fazia temer passado e futuro. 

Em mais um pouco até o sagrado e gélido olhar despencará em um abismo de profundidade desconhecida; também os tapetes, as roupas, as canções, os arbustos de flores roxas, o abraço no ar, tudo em queda livre...

Sagradas e já triviais reminiscências mergulhando, mergulhando...

Então já é tarde, o vento finda, os fantasmas enfim adormecem. 

E mesmo depois te tanto, nenhuma poesia se achega, mas passa ao longe, acena, sorri, eu faço uma reverência em respeito. 

E adormeço também.

28 de jun. de 2021

28/06/2021

 


Não é preciso mais colher no vento gélido que inicia o inverno estilhaços cortantes de passado,

Não é preciso ajoelhar-se outra vez sobre esses cacos implorando a remissão dos mesmos enganos. 

Se já estão todos perdoados, é chegada a hora da misericórdia diante das próprias acusações. 

Ainda arrasta o coração exausto pelas ruas esquecidas, ferindo-o com teu olhar severo... 

Mas houve um dia, lembra-se?

Um dia em que não se deixou destruir e aconchegou roseiras no solo quase infértil, 

e elas floriram, 

e a dor quase passou. 

E não foi coragem isso de se desconstruir pedaço por pedaço e chorar diante da desordem e sorrir por cada peça que foi sendo colocada em lugar mais correto? 

Não foi o medo que te deu o machado para derrubar a frágil e imensa torre das tuas ilusões? 

Não virá a aprovação sorridente dos velhos anjos, e tudo bem, é passado seu tempo.

Hoje o reflexo ainda incompleto de todo causa certa angústia... E tudo bem, virá o seu tempo.

Mas deixe sobre o vento que aos poucos se acalma o fardo da ingratidão e do vazio. 

Hoje a alma se encolhe e silencia, amanhã ela renasce, imensamente.

Publicações

 "Eu quero que a minha voz seja ouvida

Não por vaidade ou por achar ela bonita,

É porque carrego no peito a esperança de dias melhores."

Criolo



Meus livros estão disponíveis em: https://clubedeautores.com.br/livros/autores/marcos-serafim-teixeira


Em breve: "Ruas de domingo - Prosa poética em quarentena."





27 de jun. de 2021

27/06/2021


 O fluir do tempo foi trazendo essas rachaduras pelas paredes, pelo chão, pelo peito. E ao contrário do que disse a poetiza, não sinto que é por elas que a luz entra.

Apenas permanecem ali aqueles pequenos vãos que eu não sei se são inofensivos ou se são sinais de algum perigo. Mas tento não temer.

E quando sozinho pelas ruas ainda inebriadas por vazio e calmaria, eu consigo não notar o tempo por instantes. Mesmo sendo aqueles caminhos tão ancestrais e tão meus, nada de memórias, nada de sonho ou de saudade. Então agradeço pelas nuances de trégua

E foi por isso o primeiro verso e será por isso o último talvez, e tudo o que houver entre eles: uma tentativa fugaz de não deixar partir o querido menino. 

Não o menino transpassado por ânsias vis, mas o menino que corria de pés nus pela areia esbranquiçada com as flores do canavial nas mãos brilhando ao pôr do sol, antes da noite devorar toda a claridade e deixar apenas um assovio incômodo em seu lugar.

Ainda há nos fundos da alma um velho jardim que abriga em suas terras tudo o que foi amado. O jardim que pede por cuidado e alento, onde com ferramentas danificadas ainda perfuro o solo que esconde grandes pedras de medos e remorsos, e insisto a semear sentimentos doces e simples, insisto, insisto... Regando-os em seguida com aquela mesma antiga luminosidade do poente da infância, e algumas rasas lágrimas de fé.


25 de jun. de 2021

25/06/2021

 


Pelas frestas abertas após as quedas, escuridões sorrateiras penetram.

Sei que um delicado e rápido toque da realidade poderia estilhaçar todo aquele reino mágico construído sobre o alicerce frágil de milhares de palavras simplórias e sonhos desgastados.

Mas eu ainda tenho a voz dos anjos sussurrando alguma docilidade por entre as horas das tardes amargas, tenho o riso fácil deles mesmo diante das lágrimas inevitáveis dos dias; tenho, mesmo que não pareça, esperança. 

E perambulo por memórias alheias, fingindo por um instante que estou a uma distância segura dos fantasmas que também não deixam de me observar. 

Perambulo pelas minhas memórias... E volto e volto, recolorindo e retemperando imagens e sons que já se perderam todos pelo tempo, mas que não podem ser substituídos porque nada se pôde viver. 

E aos poucos as frestas vão se fechando mais uma vez, até o próximo solavanco, até o próximo susto. Mas se fecham. Antes que a alma se torne por completo apenas noite e inverno.

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#ruasdedomingo

23 de jun. de 2021

23/06/2021

 

Mesmo os tons mais singelos do crepúsculo me pareciam muito dignos de louvor e gratidão. E mesmo com a consciência áspera de que talvez nada seja novamente tão belo como fora um dia, o riso das meninas que correm descalças e leves pela estradinha de terra me faz sorrir também. 

E há a lua que nasce suavemente e a canção transportando o pensamento para quando havia felicidade apenas por você querer estar aqui...

O aroma empoeirado que o vento traz é o mesmo daqueles anos, anos quando eu também era um menino correndo descalço pelas estradas de terra, acreditando que havia algo de mágico em todas as coisas.

Mas eu olho o sol que se põe pelo lado oposto e sinto que talvez não precisemos mais de algo que vá muito além dessas pequenas memórias que o tempo cravejou com um pouco mais de encanto do que talvez mereçam, ou dos dias mornos em que a luz é macia e o coração experimenta uma dose do sabor adocicado da paz. 

E talvez isso não seja crescer, talvez seja o contrário disso. E tudo bem. Talvez tudo esteja só na minha cabeça, como todas as vezes em que vi os anjos e as estrelas de muito perto. E tudo bem. E talvez eu não queira me importar por uma tarde... Apenas adormecer junto da claridade que deita na linha do horizonte e junto dela sonhar com dias com menos distância, com ruas menos vazias, com menos despedidas. 

E tudo bem...

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#ruasdedomingo

22 de jun. de 2021

Ruas de doingo - prosa poética em quarentena

 


Prosa poética em quarentena
Eu não pretendia escrever sobre os tempos de pandemia. De que serviriam mais palavras diante de tudo o que vivemos e sentimos? Elas não me pareciam úteis, necessárias e até bem-vindas. Ainda que em algum momento eu tenha acreditado ser capaz de extrair alguma poesia dos dias, o que haveria de Belo em tempos tão “tremendamente esquisitos”, como disse a poetisa?
Contudo, a vida continua fluindo por entre as pedras de angústia e de temor que foram despejadas em quase todos os corações, e as palavras, ainda que desprovidas de muita grandeza e poder, continuam com seu anseio humilde de acalentar o espírito alquebrado.
Então, quando dei por mim, percebi que eu não estava escrevendo sobre a amargura de uma fase repleta de nuvens tão escuras e ameaçadoras, eu estava como que caminhando por uma rua, uma rua de domingo, vazia, silenciosa, que em momentos passados foi o trajeto para tanto movimento e vida, e que em momentos próximos, voltaria a ser.
Um vão.
E nesse caminhar eu fui observando algumas coisas ao redor e algumas coisas internas. Coisas às vezes simples, mas ainda repletas de encanto, e coisas não tão felizes, como não poderia deixar de ser, mas que ainda assim, de alguma forma, anunciam a promessa de dias menos difíceis.
As palavras que nasceram dessas observações pediram então por uma organização, como as peças que compõem um mosaico e transmitem uma mensagem.
“Ruas de domingo” traz prosas singelas com algum gosto de poesia, nascidas por entre os tantos meses de isolamento. São retratos de dias inundados por sentimentos controversos de desalento e também de esperança, adornados com fragmentos de memórias, de ansiedade, de sonho, de amor e de espera. Momentos que creio eu, em distintíssimas intensidades, todos conhecemos muito bem.


20 de jun. de 2021

20/06/2021 II

 


Daqui já não ouço os sinos que clamam pela presença dos fiéis. 

Também não sei se eles voltaram a tocar, mas ainda assim, imagino os passos calmos a caminho, as vozes mansas, os aromas, as cores, as mãos enfim dadas. 

Pelos jardins recém plantados e pelos parquinhos repletos de simplicidade, as crianças já correm e brincam novamente. E por um momento eu dou as costas para a angústia e me lembro de dias mornos como aqueles de Nossa Senhora em que choviam pétalas do céu. 

E mesmo eu sabendo que tudo já foi dito e vivido tantas vezes, bem no fundo eu percebo que ainda amo tudo o que amei e que ainda sinto tudo o que senti. 

Nada é extinto ou apagado. 

Por isso quando o mesmo sol se põe da mesma forma atrás das mesmas árvores que adornam o mesmo caminho, eu ainda paro e faço uma oração, talvez uma mesma oração também... Aquela de uma criança que se enrolava com as palavras e com seus medos, mas que via Deus em todas as coisas. 

20/06/2021


 Como as nuvens que deslizam pacíficas no firmamento, há dias em que o coração parece ainda ser o mesmo. 

E eu posso voltar a sentar no solo trincado e tentar salvar as pequenas flores que insistem em não desistir de levar algum encanto. No fundo, com pequenos gestos, o que tento salvar é a mim mesmo, todos os dias. 

E são poucos os que não perdem o fôlego ao olhar para além dos próprios muros. Quantos olhares inundados de angústia hoje se voltam a esse mesmo céu em busca de consolo e respostas? 

Não teríamos lágrimas para cada uma das quinhentas mil vidas...

Mas eu me lembro da história do homem que acalmou os ventos e as águas apenas com a voz, dizendo que um dia, se quiséssenos, faríamos o mesmo ou mais... 

E eu, que ainda não acalmo nem as brisas que sopram para dentro do peito, volto a olhar o céu, tentando acreditar que existe uma linha sagrada e invisível conectando e dando sentido a todas as coisas, enquanto pela mente vagam imagens confusas de sorrisos após pesadelos. 

E se eu pudesse, mesmo que não fizesse qualquer diferença, eu gostaria de ainda poder te dizer que eu fui em busca da parte bonita que também existia aqui dentro, e que eu a reencontrei, danificada abaixo de escombros e ruínas, restos das minhas falhas; eu a encontrei. E é essa parte que continua a observar o céu agora, que continua vagando pelas ruas silenciosas de domingo, não mais em busca, mas em paz.

17 de jun. de 2021

17/06/2021

 


Aquele rio dócil e calmo de palavras que escorriam facilmente com delicadeza e até inocência, ainda que nunca tenham sido bons versos, ou sequer versos, não deixavam de ser uma luz morna penetrando pelas frestas abertas em um inverno que nunca respeitou os calendários para chegar. 

As tantas páginas eram como retratos de momentos e sentimentos de trégua e quase esperança. E mesmo que tola, a fé no amor germinava flores abundantes pelas paisagens em que o olhar vagava. 

Ainda faz bastante frio... Só que não aquele das manhãs que custavam a nascer até que aos poucos o sol fosse dando vida às ruas, calçadas e jardins. É um frio com mais silêncio, com mais sombras, com mais t(r)emores. 

E eu continuo para além de uma década depois enfileirando letras endereçadas a um vazio que se aprofunda dia após dia. 

Mas há de belo esse céu de um imenso azul e a brisa do início da tarde tirando os salgueiros do pátio para dançar lentamente, mesmo que nada disso agora seja o bastante...

E por entre o passar gotejante das horas e as notícias amargas que tanto têm tardado a cessar, o rio continua a fluir, talvez mais caudaloso e sem tanta beleza, mas ainda repleto de vida.

13 de jun. de 2021

13/06/2021




 Eu posso ouvir a canção perguntando se o céu já não tem anjos o suficiente, posso ouvir as cantigas para Santo Antônio pelos bares onde homens ainda não muito embriagados observam o horizonte vago com o olhar perdido, talvez sonhando com algo precioso que foi perdido, e o riso fácil das crianças correndo e brincando pelas esquinas antes da noite ser plena.

E eu entendo que não deixa de ser bonita essa busca tola por mais alguns versos, por mais alguma inspiração por entre esses dias de tão pouco encanto. 

É preciso renascer, disse o mestre. 

E junto de cada perdão, de cada despedida, fomos renascendo, dia após dia. 

Ainda passo pelas ruas e pelas fotografias onde os fantasmas ainda pairam, mas eu vejo enfim o coração luzindo um tanto suficiente para caminhar por entre a escuridão sem voltar a ser parte dela, jamais.

E era estranho não sentir saudade, era estranho não doer ser indigno de algum amor;

Pois que nada havia passado, nada havia que não fosse o amor, de alguma forma

12 de jun. de 2021

12/06/2021

 


Em algumas horas, quando for em busca do chão coberto das flores trazidas pelos dias que antecedem o inverno, que em sua mente haja ainda o alívio trazido pelas pequenas doses de esperança que aos poucos vão sendo aplicadas por entre esses dias de luz ainda escassa. 

Que você possa olhar o céu novamente com olhos simples e imaginar as estrelas que se ocultam atrás do azul profundo, mas que estão lá, e que nenhuma outra vez você se iluda com o brilho falso de cadáveres celestes. 

Estamos longe de estar fora de perigo. E eu sei quando a mente se rende aos adversários e se junta aos cobradores de uma dívida já paga. Você vai precisar terminar de cruzar o pântano até chegar ao jardim, e até lá seus pés continuarão cobertos de lama. 

E em algumas vezes eu perdoo seu medo, porque é preciso tirar toda e qualquer armadura para mergulhar na verdade. E dói enxergar a olho nu o tamanho da nossa vulnerabilidade.

Então abra a janela, vire seu rosto de volta para o sol. Deixe que repousem em absoluto silêncio as batalhas que foram perdidas e a ansiedade pelos dias melhores do porvir. 

Resistir também é uma forma de vencer. 

8 de jun. de 2021

08/06/2021




 Mais nenhum poema de amor usando a velha receita que misturava perigosamente desespero e utopia;

Nenhuma canção com significados ocultos, cravejada de memórias baratas, como uma jóia falsa, sem valor;

Mais nenhuma tomada errada de rota. 

E quando olho hoje para trás o que vejo são minhas mãos de menino segurando um velho e grosso livro antes da revolução que nasceria de dentro para fora, mas que só agora começaria a conhecer a vitória. 

E me pergunto como seria se as primeiras palavras de cura e libertação não tivessem vindo só depois da carne já ter sido maculada, me pergunto como seria se eu tivesse vencido desde o princípio.

Mas eu vou até lá, vou até os dias onde você estava indefeso, vou para te levar o perdão, vou para dizer que tudo ficará bem, de alguma forma. Vou para dizer que, ao contrário do que tudo deixa transparecer, mesmo nos dias cinzentos e frios que precedem o inverno, o chão se cobrirá de flores e cores, como se já fosse primavera. E haverá muitas canções e muitas paisagens, e nada será menos bonito, mesmo depois de tantos adeuses. 

E você renascerá de novo e de novo, e cada vez maior e maior, e cada vez mais livre e cada vez mais puro.

5 de jun. de 2021

05/06/2021

 


Pelo vendo que põe em dança as árvores e trás balões coloridos de festas distantes, pelo zumbir dos insetos em euforia pelos canteiros do já cansado jardim, pela lágrima presa no canto dos olhos diante de mais uma despedida silenciosa, pacífica, eu sei que agosto não demora. 

Agosto não demora a preencher as ruas com sua poeira dourada e sua nostalgia dos tempos em que eu ainda tentava fazer o amor se sentir bem-vindo.

E olhando as pequenas abelhas rodopiando por entre as flores humildes eu me pergunto se o paraíso já não tinha anjos o suficiente quando te chamou de volta. 

A verdade é que tem sido agosto por muito tempo... Semanas, meses e anos observando o céu sempre azul esperando que a primavera realmente chegue com força suficiente para embelezar um mundo árido, sofrido.

4 de jun. de 2021

05/06/2021

 


Quando tudo o que sobra para ferir o silêncio da noite é um assovio fino e cortante aos ouvidos junto das pétalas despencando das árvores até o chão trincado do jardim, 

A memória reacende velhos castiçais tristes, enferrujados, e vasculha cantos íngremes da alma em busca de reles lampejos dos tempos em que as ruas não eram vazias e proibidas e a alma media com os pulsos do coração as centenas de quilômetros que por algum tempo eram a única coisa a impor uma separação. 

Sete anos de penumbra por sete meses de luminosidade...

E eu regresso de uma jornada infausta, fatigado, só, a caminho de casa com os pés ainda enlameados, carregando um misto de gratidão pelos danos não terem sido mais profundos e de culpa pelas tantas rendições vergonhosas em batalha. 

Nada permanece intacto ou ileso dentro ou ao redor, mas novos anjos se achegam enquanto observo os antigos se calarem para sempre. 

Minha voz também já não será mais ouvida por eles. Liberto-os das minhas velhas súplicas, das minhas velhas cruzes.

Mas não irei me esquecer, não poderia me esquecer, que um dia falei das flores... E do puro azul sei que minaram algumas lágrimas de boa emoção. 

E eu regresso...

O peito ainda guarda as chaves do velho lar, e lá eu me revejo, e me reencontro, e me perdoo.

E sozinho, me amo. 

3 de jun. de 2021

03/05/2021




 Todo poema, todo verso, eram e são pequenas orações ou delicados relicários sagrados, simples, humildes, onde eu tentava e tento guardar os milagres sutis dos dias;

O cheiro do café do meio da tarde, o canto dos pássaros que não tive mais com quem dividir nos feriados de céu lindo e muito azul, os amores que se foram e os amores que nunca, nunca irão partir. 

Eu guardo, guardo para poder voltar e encontrar algo que brilhe e encante encravado em uma alma tão cheia de partes ainda impuras. 

Tenho aqui comigo todos os caminhos, todos os olhares, todos os sorrisos, todos os dias em que a vida parecia perfeita e eterna quando talvez ela fosse isso de fato. 

E ainda que tudo isso seja uma fortaleza frágil e de pouca beleza, eu posso através desses tesouros olhar para o futuro sem lentes tão amargas nos olhos. 

Assim eu consigo mais uma vez perdoar o último vilão ainda não perdoado, consigo permitir que suas lágrimas deslizem sem culpa, consigo enterrar seus pecados como se fossem sementes no solo da fé sorrindo ao imaginar que algumas flores podem nascer antes da primavera chegar. 

E eu me curo do meu próprio veneno mais vez;

E eu vejo a bela face de Deus mais uma vez;

E eu renasço... Mais uma vez. 


2 de jun. de 2021

02/06/2021



Eu pesco no auge da tarde ocre fragmentos de sonhos que são feito memórias relapidadas em formatos mais encantadores por ferramentas mais precisas. 

Então não são apenas os erros e tropeços a despertarem comigo na manhã que se foi, nem os pecados carentes de absolutamente qualquer beleza, mas é também o aconchego de uma voz amiga, de um jardim simples das casinhas do interior, de um eu te amo com a face rente ao peito em um momento de despedida. 

Quem sou eu para ainda tentar extrair alguma poesia dessas horas estéreis, como se a armadura frágil das palavras pudesse de algo nos proteger? 

Mas os ouvidos não se fecharam para toda esperança e eu ouço vestígios do seu canto pairando na atmosfera, iluminando partes da gigante nuvem de medo que insiste em não deixar de flutuar sobre as almas frágeis.

E há depois dessa mesma janela a pequena cidade empoeirada e rude daqueles dias em que eu me sentava diante da claridade e tecia versos bobos a sentimentos tão nobres antes de mergulhar no poço profundo e perigoso da solidão. 

Então me pergunto o que de puro ainda em mim resta agora que submergi das águas escuras e sujas. 

O que permanece intocado, valioso? 

Apenas o sonho, talvez.