31 de jan. de 2015

Despedia


Quantas foram as noites em treva profunda, 
Tão diferentes daquela em que estrelas ascendiam.
Quantas foram as noites em súplicas, em lágrimas.

Assisti em desespero a indiferença esfaquear o mais lindo milagre,
Tomei em meus braços seu corpo inerte, seu sangue divino banhou meu espírito.
E sem o que me dava vida, continuei a viver.

É findo o tempo das luzes imensas, da angelitude, das alturas inatingíveis;
É tempo da pele na terra, das mãos com sementes, de novas flores.
É a despedida do que prometeu ser eterno.

Surpreende-me a volta do fôlego, assim, sozinho, sem a esperança.
E muito agradeço ao notar as memórias semi-adormecidas,
Não mais destruindo e queimando qualquer coisa que tocavam.

Nenhum sentimento anuncia chegada; é tudo silêncio.
Aproveito para lavar o peito com a seiva da noite novamente apenas minha,
Talvez não haja o que chegar, mas há o que enfim irá partir.

A meiga luz da lua a pratear o jardim basta para um brando sorriso.
O perfume gentil das antes inodoras rosas são um carinho tão verdadeiro.
Sem nenhuma palavra. Sem nenhuma mentira. A este momento chamaria de Paz.

30 de jan. de 2015

Lar


Estou no caminho.
Sigo vagaroso.
Se às vezes paro, confuso, é pelas visões floríferas que me alcançam.
Eu as contemplo, imóvel, de lábios selados, e continuo.

Se sigo pela mesma estrada esburacada,
É por nela pairar perfumes de lírios.
Se às vezes cerro os olhos e me aconchego na escuridão,
É por sentir que em certos momentos a luz os magoa.

Indo pra casa.
Sempre.
Sempre em busca do lar. O verdadeiro.
Mas vou calmo.
Passos lentos, gestos sutis.

Passo por baixo da primavera velha e toda florida.
Passo sobre o córrego frio com seus grilos, sapos, vaga-lumes.
À beira da avenida movimentada onde os olhares não se cruzam.
Todos correm, correm para chegar em casa.
Apenas eu vou lento, pois sei que o caminho já é um pouco lar.

E vou agradecendo e pedindo meus perdões.

Acompanhando o sol que rola até o fim do horizonte.


(De "Chiaroscuro")

27 de jan. de 2015

Ausência


As pessoas têm desaparecido,
Mas não literalmente.
É menos dramático, mais silencioso.
Ao ruírem os sentimentos conectores, elas se vão.
Se dissolvem como a bruma ao nascer o sol.

Não seguimos caminhos diversos, não seguimos qualquer caminho.
Giramos no nosso próprio eixo, olhando nossos próprios âmagos,
Achando que é suficiente o prazer ser maior que a dor,
Achando que basta sobreviver, mesmo sem viver.
E o amor, o amor é o breve momento em que nosso egoísmo adormece.

Mas temos a eternidade para repetir indefinidamente os mesmos erros;
Temos as comparações, temos os medos, temos as saudades.
Saudades nos devorando por dentro, 
Enquanto a realidade nos devora por fora.
Temos tudo, e não somos nada.

Mas como queridas sejam vistas as súplicas, os lamentos, a espera.
Porque são ruídos do coração; um coração que talvez ainda cante.
Pois meu medo é chegar o dia em que se faça silêncio no peito,
O dia em que se faça calmaria nos olhos... Seria conhecer a morte.
Antes sentir essa dor a não sentir nada.

25 de jan. de 2015

Já velho caminho vazio


Por que se arriscar naquelas estradas repletas de memórias sedutoras?
Vai que ainda resta algum sorriso por lá, alguma promessa pairando no ar...
Por que afundar os pés naquela terra, se por ali a perfeição não mais pisará?
Atiça os belos fantasmas como se eles fossem inofensivos... 

Daqueles dias resta apenas o sabor do vento;
O aroma dos eucaliptos enquanto o sol se desfaz no horizonte.
Já não chorava ou sorria enquanto imagens saltavam na mente,
Agora que tudo é fim, e eu apenas canto.

Canto porque a alma afunda em quimeras, mas emerge em sonhos sutis.
Resta alguma vida nas veias e os pés fracos resistem, seguem, lentamente.
Canto porque a vida já foi amor, e ainda que nada mais possa brilhar,
Os olhos permanecem famintos de luz.


24 de jan. de 2015

Vulto


Agora há sal nestes lábios desencontrados. 
Mas por alguns segundos eu vejo a macia luz no horizonte;
Que horizonte tão distante...

Não fossem os labirintos até ela, as escarpas, os espinhos,
Eu até sorriria, até aguaria as roseiras com lágrimas de calmaria.
Mas nada garante travessia segura, nada responde ao chamado.

Ainda vejo vultos onde dois corpos luminosos se abraçavam.
Todos os dias, por um ano, os vultos me rondam...
Bailam ao som de canções proibidas, sorriem como se o amor existisse.

Poupo Deus das mesmas orações e a memória das mesmas súplicas.
Sei que o sal dos lábios que a língua absorve é do beijo da realidade.
Não me esquivo, não desdenho. O sabor é ruim, mas é verdadeiro. 

22 de jan. de 2015

Estrelas mortas


Por instantes quase sorrio para aquele brilho.
Parece o mesmo de outrora, tão vivo.
Cintila como cintilavam os sonhos,
Inocentes e simples.

Mas é um engano.
A luz que enfeitiça meus olhos é falsa;
Tristes estrelas já mortas,
Faíscas distantes de memória.

Talvez nunca tenha sido vista claridade verdadeira,
Mas apenas mentiras reluzindo como verdade,
Através do fogo de uma fé ingênua.
Uma fé que não queima mais.

Ainda assim, volto-me para o negrume silencioso do céu,
Tocando com o olhar cansado aqueles tantos pequenos lumes. 
O firmamento permanece o mesmo de antes do fim,
São meus olhos que perderam o brilho. 

20 de jan. de 2015

Ilusões


Quero as lágrimas vermelhas do coração,
E a claridade de suas dores tão bonitas.
Eu sei o que há, sei o que se passa por dentro.
Não são as ilusões que matam, é a falta delas.

E só um coração leve e bobo
Pode subir tão alto, como passarinhos.
Há vida após a morte e há Amor após a indiferença.
Há algo que valha a fé neste mundo áspero.

E meu canto não será só canto de amargor,
Porque os dias podem ter sido desperdiçados,
Mas as horas fluíram enquanto abraçava-se rosas,
Aceitava-se seus tantos espinhos.

E foram levadas as estrelas, mas vejo outra vez sutil brilho.
E foram levadas as brisas da noite, mas elas sopram novamente.
A precaução adormece e as ilusões batem à porta...
É escuro, mas vou brincar lá fora.



Vivo


Por instantes esqueço a agonia do ser.
Os dias tornam-se apenas dias,
E não feras famintas no encalço. 
Até a maior das dores e a maior das alegrias dá uma trégua;
O Amor paira no ar como o perfume sutil das árvores.
Talvez eu nunca toque, mas sei que está por toda parte.

E o sangue que ferve não me envergonha.
Do anjos, aceito a sombra das asas,
Mas sem crer novamente em mãos estendidas.
A alma, já velha e de sonhos inabaláveis, 
Pede precaução;
O sentir, livre como crianças brincando na chuva, se permite.

Deixo que os pesadelos rosnem, ameacem;
Que cumpram seu papel. Fugir deles é inútil, cansativo.
Fujo de mim, dos tantos eus frios, densos e cruéis. 
Não existe nenhum inimigo,
Não existe nenhuma salvação.
Existe a consciência de se estar vivo. Estou.


17 de jan. de 2015

Ainda não o bastante


Doa, doa profundamente. 
Os nervos que ainda não alcançou, torça-os.
E qualquer parte imaculada da alma, deite na lama.
Porque todo anjo é terrível,
E eu quero ser apenas homem.

Chega das vozes doces e do consequente silêncio ácido.
Basta das alturas imensas e das quedas sem fim.
Anjos frios, corrompidos por sua pureza,
De lindos e cruéis olhos juízes...
Perpétuas belas esculturas. Memórias mortas.

De nuvens tão distantes jamais enxergam corretamente. 
Colocam o mundo no olhar, mas do mundo pouco conhecem.
Superiores demais, 
Divinos demais, 
Reluzentes demais.

Que não tarde a chegar o dia em que o desprezo seja o bastante,
O bastante para resgatar a alma das infrutíferas ilusões.
Que não tarde a chegar o dia em que o coração apenas bata,
E nada sinta.
Que não tarde a chegar o fim, pois depois dele há algum começo.

16 de jan. de 2015

Elegia noturna


Ainda tem sangue nas tuas veias,
Eu sinto o cheiro...
Derrama-o!

Tira a mão suja de cima desse corte fundo,
Deixa a vida partir para onde tenha sabor.
A esperança não cavalga em teu socorro.

Entrega teu pensar e teu sentir aos pés da roseira faminta.
Deixe a Beleza devorar o que lhe resta, se ainda lhe resta.
Que venham o torpor e o esquecimento, já que a luz não virá.

Não perturbe a noite com teus sonhos apodrecidos.
Percebe? Tudo é silêncio.
O que foi, o que é e o que será.

Caminha como os demais tolos, caminha.
Lutar contra o ar cáustico é inútil,
Como inútil foi lutar pelo sentimento.

Mas tudo finda, se serve de alento.
A luz do dia, a treva da noite;
O sonho que te consome.

13 de jan. de 2015

Alma aberta


Eles não têm obrigação com os pecados que me foram cometidos;
Por isso não entendem, por isso não ouvem, por isso não veem.
E é bom que a escuridão seja contida dentro de um único coração;
Mas que, por Deus, sobre algum espaço para algo bom.

Eu não tenho obrigação com os pecados que cometeram a si mesmos.
Já é o bastante manter os lábios sem ódio, não é?
Apenas o Amor é a chave...
Nada além pode abrir as portas do paraíso interno.

Eu eu juro que olhei para todas direções, 
Procurando qualquer coisa que valesse uma ilusão também.
Seria mais fácil se conseguisse ser preenchido por um prazer efêmero,
Seria mais fácil não sentir.

E eu sinto pelos erros que irei cometer,
Pela fraqueza que demonstrarei quando for esperada a força.
Talvez todos também sejam crianças,
Apenas desejando brincar um pouco mais lá fora.

Perdoe-me por não ver; também não fui visto, e perdoei.
Destranco a alma: tudo pode adentrar. Tudo pode ferir e curar.
Mas cada olhar encontrará essência distinta, 
Apenas o Amor verá o que realmente ali habita. 

11 de jan. de 2015

Caminho



Louvados sejam os caminhos;
Os macios, de areia branca e água cristalina,
E os ásperos, de frias e indiferentes pedras,
Porque o caminho já um pouco de chegada.

E que a Beleza, necessária à poesia, persista,
Ainda que frágil, ainda que triste.
Porque ninguém diz, mas sei que Deus é belo,
Pois vejo Seu rosto na persistência da Vida, na bondade dos Homens.

Não há pé que não esteja ferido, nem vivente que não tenha chorado.
A dor nos é amiga íntima, mas também nos é próxima a esperança.
É necessário tentar um passo após outro, afastando as pedras,
Observando as flores.

A existência é bruta, como um sol de meio dia,
Como um adeus;
Mas também é doce, como a água que escorre da montanha,
Como o Amor, que jamais desiste.

9 de jan. de 2015

Erupção


Permanecem altos como as nuvens os gritos emitidos pelo silêncio.
E a suposta calma dos fins é uma mera ilusão...
Como um vulcão revolto, 
O coração continua a lançar na atmosfera suas cinzas infindáveis.

Às vezes a chuva vem, resfria a superfície das rochas fumegantes,
Mas a paz nunca dura.
Volta a gemer, a tremer, a se angustiar a terra abaixo dos pés.
Seu sangue jorra, lento e mortífero, para todas direções.

É uma luta inglória semear neste solo hostil.
Esforçam-se as flores para oferecer alguma cor e esperança.
Tão ingênuas e persistentes...
São incineradas antes que alguém lhes sorria com os olhos.

Outra vez, não haverá nenhum perfume na noite.
Cessaram as canções, retornaram os estrondos. 
Outra erupção...
Mais uma vez as chamas lavam a terra.

8 de jan. de 2015

Persiste


A voz de Deus continua silenciosa como o desabrochar das rosas.
Mas persiste.
E minha carne grosseira não ouve seus sinais,
Mas minha alma, onde reside também Seu reino, pode sentir.

O céu deita sobre a terra lentas gotas de chuva;
Um doce afago para acompanhar as também lentas lágrimas.
E ainda que as orações sejam falhas e as palavras certas faltem,
Eu sei que Deus se comove.

E eu, talvez o mais enraizado dos homens,
Nunca estive aqui. Nunca.
Ainda que ossos e promessas concretem meus pés;
Não preciso de pés... se a alma são asas.

Talha-nos a vida sem misericórdia,
Isso porque fazemos pouco das nossas vitórias.
Precedeu à visita das borboletas no galho em flor,
A mão nua a cavar, a colher pedras, a sangrar na terra.

Não é motivo de orgulho ou vergonha
A morte e o renascimento consequentes às dores indescritíveis.
Mas se da fraqueza e da vergonha conheço cada palmo,
Ainda melhor conheço as trilhas do Amor e da Fé.




6 de jan. de 2015

Palavras


Nada foi dito o suficiente.
Silêncios intermitentes matam as recém-nascidas sentenças.
Contratos são queimados pelo frio da indiferença,
Palavras congeladas, ignoradas, chovendo num chão de concreto,
Estilhaçam-se, cortam, sujam.

A ausência pinta um quadro bem explicativo,
Mas as provas devem ser escritas, ditas, cantadas.
Os olhos não confiam no que veem,
O coração não acredita no que sabe.
Palavras. Elas dão a vida, elas precisam tirá-la.

A quietude é suficientemente clara,
Óbvia como a impossibilidade do impossível.
A calmaria fala da tempestade que não demora;
Uma beleza divina, 
Uma porta para o inferno.

As milhares de letras, agrupadas, 
Reunidas pelas mãos flamejantes de sentimento;
A alma completamente nua, nua como nua é a Deus,
Não é o bastante. É pouco. Tudo sempre será pouco.
Pois não encantam essas formas, não reluzem, não dão prazer.

Adeus.
Confie em apenas uma palavra,
A única sã entre as loucas entorpecidas.
Confie apenas nos silêncios.
"Eu não posso mais."

5 de jan. de 2015

Do mar e do amor


Sei que o mar está lá, quase tão grande quanto a eternidade.
Tão belo, tão quente,
E tão frio e tão perigoso.
Pacífico, acolhedor de tanto mistério,
Também aberto e revolto,
Quase tão forte quanto o desejo, quanto o Amor...

Que querem os Homens com coisas tão imensas?
O mar.. o Amor.
Homem, bicho faminto de esperança, de luz, de rumo.
Perdoa, Bom Deus, também sou Bicho;
Também quero sorrir ao sol que mergulha no horizonte esverdeado,
Também sente falta de mão macia a minha mão trêmula.

O espírito flutua, voa, afunda...
É levado por correntes marítimas,
Correntes de ferro, 
Correntes de ar...
Mas o olhos sabem o que buscam, os olhos sabem o que louvam.
Olhos vorazes como olhos de poeta.

Estes olhos que nunca beijaram o oceano, 
Nem beberam da voz da verdade infindável...
Brilham; ainda que como pérola escondida tão longe,
Tão fundo.
Meu peito, pequeno demais, nunca abrigará o mar;
Mas o Amor, eu sei, poderia abraçar oceanos inteiros.

2 de jan. de 2015

Aqueles dias



Para onde vai o tempo que passa?
Se tudo termina, por que continua a queimar?
Como se houvesse uma nova chance de cor à flor que secou...

Onde adormecem os sentimentos que nascem e são renegados?
Resta alguma compaixão para eles? Há quem cuide deles?
Deve ser tão triste e solitário um lugar assim...

Para onde vão as lágrimas que evaporam da face?
Há um céu só para elas? Nuvens só delas?
De alguma forma é como se elas chovessem agora...

Poderiam durar mais aqueles dias em que bastava a chuva e o sol.
Poderia durar mais aquele tempo em que a alma bailava no vento;
E não sentia tanto, tão profundamente.

Não sofro pelos enganos do coração,
Revolta dá ao vê-lo morrer por causas tão estúpidas.
A maior de todas as dores é a única pela qual agradeço.

O sentimento insiste porque esta vida não basta, é oca, inválida.
O sentimento insiste, porque não me basta ser um riacho
Se tenho nos lábios o sabor do mar.



1 de jan. de 2015

Abismos


Vejo este coração sujar os pés nas trilhas que margeiam abismos,
Crendo que se dali despencar, sobrevoará o mar esverdeado abaixo. 
Enquanto não salta, sobrevive em um velho castelo;
Algum dia belo, hoje em tristes ruínas.

E enquanto o sol se põe distante e indiferente, ele medita.
Procura força divina, aconchego na esperança, dor na vontade.
Tudo que lhe tire o chão morto de debaixo dos pés, 
O chão do qual com tanto custo tenta fazer germinar alguma flor.

Vez por outra, vindo do oceano infinito, algum pássaro passa a cantar...
Canção tão doce, tão bela.
E o coração esboça um sorriso de pouca credulidade,
Enquanto sonha com a leveza daquele ar, daquela companhia.

Mas é finda sua força, embora ainda queime sua fé.
Ao se aproximarem tempestades, ele sabe: já não poderá enfrentá-las.
Vê-se sem motivo para dar seu sangue em batalhas,
Sabendo que a guerra está perdida.

Então consola-se com as frágeis e passageiras belezas das horas.
Dá as mãos ao silêncio, seu grande amigo e inimigo;
E invoca memórias remotíssimas, de um tempo de perfumes e sabores,
Enquanto adormece frágil nos braços negros da noite.