27 de fev. de 2023
Páginas em branco
21 de fev. de 2023
Água turva
O tanto que foi dito e tudo o que permanece sem o contorno físico das palavras
Parece pouco, menos que nada
Diante do não poder segurar alguma mão
E trazê-la ao peito
Para que seja um escudo, uma armadura, uma cura.
Chove como nunca,
Mas permanece flutuando na atmosfera tudo aquilo que o tempo transforma em pó,
Enquanto aqui embaixo o ar é tóxico,
Os caminhos são esburacados,
A espera tem o gosto do infinito.
Então de novo as ondas
E de novo
O mergulho
A imensidão silenciosa
Preenchida e completamente vazia como se fosse possível;
Água turva onde estão dissolvidas esperanças e causas perdidas.
Ainda assim a algo ou alguém emitirá orações
Confusas missivas advogando por um espírito que se partiu
Rogando por uma misericórdia que se sabe não merecer.
Se vive sem saber
O que bate intacto no coração ainda sonha
E lembra
Uma estrada, um córrego, um sorriso
O calor doce do sol sob a pele imaculada
Não sei viver
Digo
Não sei viver...
Repito
Esquecendo que se vive é mesmo sem saber
Como o barco dançando junto às ondas
Sem enfrentá-las
Como o jardim e suas flores sabendo desabrochar cada uma em sua estação
Foi mesmo o último ato de liberdade
Aquele ato profano?
Ou quando os olhos se fecham inundados
E se abrem como comportas mirando o céu de profundo azul
É que o espírito experimenta uma emancipação ainda apenas imaginada
Mas tão lúcida, desperta, desejada.
18 de fev. de 2023
Turbulência
Aquele de voz macia buscava rosas para deixar no último repouso da veste de alguém amado;
São tempos frágeis, eu penso,
Mas o sagrado sobrevive por entre a entrelinhas dos absurdos impostos pela realidade.
E há uma nova canção sobre um céu esburacado e seus solavancos
Apenas turbulências
E nós
Ainda que na verdade apenas eu
E nós
Dançando nesse longo caminho
Que talvez
Um dia
Levará até nosso lar.
A certeza que veio com os anos passando tão velozes
Foi a de que apenas o que amamos nos constrói
E nos destrói,
Enquanto mergulhamos nesse oceano de paradoxos
Onde temos tão pouco tempo
E onde o tempo é apenas uma percepção deturpada
De algo que na verdade não existe.
16 de fev. de 2023
Outra onda
Outra onda
E então mais outra
A água salgada ferindo os olhos
Os lábios
A garganta
As feridas que não têm tempo de encontrar cura
O peito submerso
O coração com suas súplicas abafadas
A quem
Já não se sabe
Mas vai passar
As águas retrocederão
Até que então
Outra onda
Outra tarde tempestuosa
Outra volta no círculo sem fim
Enquanto ao longe
Um ruído cada vez mais inaudível
O canto enigmático e profano da esperança
Entoando belíssimas mentiras
Luzindo falsas luminosidades
Mostrando rotas inavegáveis
Antes de
Mais um gole
Mais um mergulho
Mais um golpe
Você suporta
Você consegue
Você se cala
Por longos tempos lentos
Cada vez mais
Até que
Para sempre.
11 de fev. de 2023
Pranto oculto
Na emancipação
A mão segurando a minha
Suavemente
Sem agonia
E sorríamos
Como que seguros
Aportados em um lar
Enfim
E rápido preciso descrever
Lembrar
Perpetuar como em uma fotografia
Pois que as horas da manhã caminham
A rápidos duros passos firmes
E já então
Antes que os olhos sonhem um tanto mais
Alguém chama meu nome
E lágrimas escorrem pelas flores das quais desisti
E a noite penetra
Junto ao seu silêncio estranho
Suspeito
E o coração treme junto ao dos meus irmãos
Abaixo dos escombros da vida em ruínas
Pesada
Perdida
Desencontrada
Bem ao fundo
Uma canção sobre mundos colidindo
E a alma rogando por entre cômodos vazios
Recitando versos que não emocionam
Feito um pranto sempre oculto.
4 de fev. de 2023
Queda livre
Algum tipo de sentir jaz ainda imaculado
Mas tão oculto
Tão profundo
Que só um raro vislumbre brilha e transparece
Às vezes
Através das ranhuras superficiais feitas na realidade
Em algum momento de santa loucura
E são esses
Tempos que não passam
Enquanto eu me pergunto o que ainda não foi dito
Que palavra ainda resta a ser usada
Qual sonho não foi sonhado e perdido
Os primeiros jasmins do ano florescem então
E é fevereiro
E chove como se o céu se livrasse de mágoas
Um aguaceiro agoniado
Veloz
Feito o peito que se contrai e se expande
Como marés
Lembro-me assim de Elza e seu choro que não era nada além de carnaval
De Glória com seu sorriso rebelde
Peitando a vida ombro a ombro
E da voz de Gal
Zombando do impossível
E há também um homem que enfim amo
E um menino que enfim entendo
Unidos no reflexo diante de mim
Ambos falando e gesticulando e sem parar
Sobre medos
Sobre utopias
Sobre o eterno e o efêmero
E fecho os olhos e também danço
Sorrio
Canto
Por alguns instantes de distraída paz
Em meio a essa queda livre.