É impossível não olhar para trás. Na verdade é como se pelo
mesmo motivo que temos olhos no rosto, tivéssemos olhos nas costas.
O passado acompanha; às vezes, persegue; às vezes, conforta.
É impossível não sentir culpa nenhuma, a menos que não se
tenha um coração.
Há sempre uma culpa original. Pois em algum momento
poderíamos ter sido melhores, e escolhemos não ser. Poderíamos ter fugido, mas
não criamos forças para fugir. Poderíamos ter ficado um pouco a mais, porém preferimos
não ficar. Poderíamos ter sentido um pouco mais, contudo não sentimos.
“Ao se deitar na cama, se você pensar que esta será sua
última noite aqui, se orgulharia da vida que teve?”
Foi essa pergunta que me fiz ao passar em frente ao circo
que recolhia sua lona suja e rasgada para partir para outro destino,
provavelmente incerto.
Não posso responder que não. Que não me orgulharia. Seria
injusto com todas minhas tentativas, mesmo com as que falharam. Pois elas,
mesmo as que não vingaram, de alguma forma, trouxeram alguma luz.
Eu não poderia dizer que não, porque hoje pela tarde uma
linda mãe me disse que sempre antes de dormir seus filhos pedem que ela leia
uma poesia minha.
Eu não poderia dizer que não, porque acreditei, acredito e
continuarei acreditando no amor. E isso por si só já deveria servir de
passaporte para o paraíso.
Contudo, dizer que me orgulho também já é um pouco demais.
Orgulho, em qualquer aspecto é algo delicado e perigoso de se lidar e sentir.
O que posso dizer, então, é que: embora não tenha orgulho,
tenho paz. Posso dizer que me recordo de cada um dos meus erros, mas eles já
não pesam muito mais do que devem pesar.
Posso dizer que ainda espero o melhor, que ainda canto no
chuveiro, que ainda peço colo, que ainda ofereço colo.
Posso dizer que perdoo. Posso dizer que me sinto perdoado.
Posso dizer que amo. Posso dizer que me sinto amado.
Preciso dizer mais uma vez: um dia as luzes voltam a se
apagar. Você se enxerga com as mesmas memórias, com as mesmas vergonhas, com as
mesmas reservas e então você volta a sentir aquela cicatriz. Aquela inimiga
imóvel, muda e quieta que está grudada na sua pele para sempre. Já não é uma
dor profunda, é apenas uma dor peculiar. Comigo funciona cantar certa canção e
ver meus olhos quase transbordando no espelho. Pois passa, às vezes é só dar um
sorriso que o fantasma passa, é só encara-lo nos olhos que ele vai embora,
volta para a lápide fria dele, e fica lá.
E finalizando a questão de sentir ou não sentir orgulho da
própria existência. Quando penso muito nisso eu tento imaginar a face de Deus.
Tento imaginar qual seria Sua expressão ao me ver. E quando eu faço isso Ele
está sorrindo. É uma metáfora, claro. Mas eu sinto esse sorriso, sinto o
significado dele. E já não importa se estou cheio de vergonha ou orgulho, de
repente não é mais isso que realmente importa.
Eu me sinto visto, amado.
Visto pelo que realmente sou, tanto pelo que está à tona
quanto pelo que ainda permanece adormecido.
Amado por algo que vai muito além do que a minha imaginação
é capaz de esculpir.
Amado por algo maior, infinito.
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