25 de out. de 2022

 


Tudo já não tem nada 

Daqueles tempos simplificados 

Em que fabricávamos pequenas memórias preciosas 

E as guardávamos nas prateleiras da alma sem saber

Que não muito depois

O tempo nos cobriria com uma névoa amarga e densa de realidade

Quase nos sufocando 

Quase nos despertando 

Aqui dentro apenas temos vivido na espera de um velho milagre 

Que ao menos mantenha esse trem perigoso nos trilhos por mais alguns instantes

Enquanto lá fora hordas de lunáticos  fantasiados de palhaços malignos

Dançam sobre covas rasas e recentes

Mas como pequenas absolvições

A chuva no auge da estiagem

O jardim resistindo e florescendo 

A nova doce e forte canção 

Sobre sentimentos escarlates 

O cheiro do quarto sempre vazio

Estranho e bom

Como o perfume das cortinas daquela antiga locadora de filmes 

Em que íamos quando jovens

Então pelos corredores de lembranças pequenos brilhos despencam lentamente 

Uma garoa delicada acariciando o corpo envergonhado 

Que naqueles antigos dias talvez até tenha conhecido o amor 

Agora nos sonhos confusos

Há sempre uma mão entre as minhas mãos

Há uma fortaleza 

E há seu sorriso 

Embora sua face nunca esteja voltada para mim.

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