29 de set. de 2014

'Lúcido'


As palavras vêm porque algo dói.
Tudo isso dói, mesmo o mais leve dos ares.
Porque a solidão que causa esse infinito de pessoas sem vida é cruel.
Naquela tarde, enquanto chovia, e eu me espremia embaixo da marquise,
fugindo da chuva que na verdade eu desejava,
quis chorar.

Quis chorar porque o desamparo, por menor,
é horroroso.
Havia uma escolha: não me envergonhar da chuva,
ou dos que acham que um homem na chuva, 
e feliz nela,
é insano.

Nossos aglomerados de gente, ou números, tanto faz,
geram insossa agonia.
Quis ajudar o homem a empurrar o carro parado no meio da avenida,
não pude, não tinha respaldo. 
A nova etiqueta pede que sejamos egoístas e medrosos,
se assim não for, mais isolados ficamos. Assustador.

Quis chorar de novo.
Devia ter ajudado o homem, mesmo ele não precisando da minha ajuda.
Mas despertei a tempo da chuva não deixar de cair,
e pude sentir a dor do frio dela na minha pele.
Meditava enquanto corria pelas ruas que pareciam minhas.
Nada havia.

A água não trazia memórias ou esperanças.
As memórias não quero, as esperanças não me querem.
E isso é bom. Como é bom todo fim ser também um começo.
O sentimento não parte, é verdade.
Já visitaram dores e promessas por demais, mas ele resiste;
Acho que não morre mais.

Nada anseia o sentimento, mas eu o guardo e protejo com afeto.
Em outras tardes ainda observo, mesmo que por segundos,
a bola vermelha do sol se deitando, e sorrio.
Nunca me bastei ou irei me bastar,
Sinto isso ao ver os sonhos famintos... 
Mas ao menos eles estão de volta à casa.

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