4 de jan. de 2014

Saldos e baixas


A sensação é a de um fim de batalha.
Alguns membros ainda doem pelas escolhas feitas, pelos movimentos tomados.
Uma dor estranha, porque é como se o ferimento fosse mais profundo e perigoso que o incômodo que ele gera.
Há uma paz branca agora. Silenciosa demais.
Uma esperança sutil e quase imperceptível, como o verde das paredes.
Embora eu saiba que não há tempo para descanso; outra batalha se aproxima; eu deveria estar melhor.
Sorrindo mais ou cantando mais ou qualquer coisa do tipo mais.
Mas não.
Sei que não se vive com olhos voltados para trás, mas ainda olho as baixas no campo.
Olho a face de cada Anjo e cada Demônio que das minhas entranhas saiu e que por mim lutou e sinto um pranto gigantesco como uma tempestade se formando atrás dos olhos.
Eu os amava tanto, cada um deles.
Mas as Lágrimas, fiéis e queridas enfermeiras desta alma raquítica, não caem.
Mantêm-se condescendentes, mas imóveis.
Elas sabem, e eu sei: chegou a hora do adeus.
Chegou a hora de nos despedirmos deste campo de batalha, que já fora um vistoso jardim.
Chegou a hora de aceitar que os caminhos para os sonhos muitas vezes não são pavimentados.
Escorregões virão. Os sapatos se lambuzarão de lama. As roupas ficarão sujas.
As trilhas serão inseguras, escuras.
Talvez num desses caminhos o tombo venha, e junto dele o Medo e a Vergonha.
A Dúvida, a ingrata e constante companheira, será a primeira a gargalhar.
Provavelmente, além da morte, ela seja a única certeza da vida...
Doerá. Doerá porque será desejada uma mão, e essa mão não estará ali.
Doerá...
Mas se a queda é uma possibilidade, o levantar é uma certeza.
Talvez eu até gargalhe um pouco com a Dúvida.
Levantarei, mesmo com olhar baixo, e continuarei, mesmo com passos hesitantes.
Será mais uma dor válida a ser lembrada.
Uma dor guardada como uma pedra preciosa, uma consequente ao amor às coisas certas.
E depois de tudo, eu sei, restará apenas uma coisa a ser dita ao campo, ao jardim, ao caminho, aos Anjos e aos Demônios:

Obrigado, muito obrigado, novamente.

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