6 de jul. de 2017

Ainda faz bastante frio


É muito cedo para o charme das coisas em decadência. Para aquele ar de admiração e piedade que exalamos diante do que tentou muito ser, mas já não pode mais.
Mas é fato que algumas coisas precisam repousar no rol das desistências.
"Se a gente se repete, as coisas, mesmo as que pertencem à nossa própria fé, ou à nossa própria esperança, essas coisas começam a morrer... e como."
Ardente, intensa e estranhamente sóbria a dona desses sentimentos.
"Por isso não é possível dizer sempre as mesmas coisas, ainda que elas sejam tão importantes."
Ainda faz bastante frio... Dá um certo calor ouvir isso. Porque em uma atmosfera estupidamente complexa, sobrevive o poético na epiderme do que é plenamente banal.
Ainda faz bastante frio. O sol morno passando pelas copas das árvores desenha figuras abstratas e preguiçosas pelo pátio empoeirado. Alguém não distante queima as folhas deixadas na varanda pelo vento solitário da última noite. Isso é importante porque lá fora a vida é faminta, selvagem, mas aqui ela entoa cânticos mais simples. Esse cenário frágil cria uma ponte delicada para a já distante infância, quando ainda era possível rabiscar qualquer sonho na página branca que era a alma.
Não há como não guardar você, doce e incoerente deus dos olhos albinos. Será de você o epílogo belo de uma história ruim que já consumiu páginas demais.
"E continuaram..." Nem felizes, nem juntos, nem para sempre...
Mas continuaram, como todas as coisas são concebidas para continuar.
Não que o destino virá a passos largos trazendo milagres por entre os dedos, mas por um tempo seria de tom agradável dançar com ele sem tantos tropeços. Dois pra lá, dois pra cá. Calmamente.
Sobre a constante e aflitiva necessidade de fazer parte, isso será menos incômodo com o seguir da valsa, acredito.
Tolice dizer que tudo o que foi já não é mais. É. Mas já não será exatamente o mesmo, é o que o silêncio e a luminosidade das ruas me dizem. E junto a isso, também nós não seremos.

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