25 de mar. de 2020

23/03/2020


Todas as ruas já pareciam ruas de domingo.
Tantas portas fechadas e tão poucos olhares que se confundiam com a luz difusa e ocre do entardecer.
Distantes, isolados.
Mas mais do que nunca todos se pareciam meus irmãos.
No inusitado silêncio da minha mente e nos olhos que quase não continuam na borda as pequenas lágrimas, eu os envolvia e abraçava.
Apesar do medo, eu sei que a primavera não tarda.
E nessa dolorida pausa vemos os corações se revolvendo, as sementes delicadas, frágeis, caindo nesse solo fertilizado com medo, dúvida, mas também esperança.
A poesia acena, de longe, e eu sorrio. E ela se achega, sinaliza o fim da nossa despedida, da nossa quarentena. Talvez tenhamos muito a contar um ao outro... São tempos de intensas transformações. De vida, de morte. De temor, de êxtase.
Mas apenas sentamos lado a lado, semi abraçados, vendo a tarde adormecer, as ruas ficarem ainda mais desertas, as pequenas luzes do jardim acenderem. Ela repousa no meu colo... não há nada a ser dito, e eu já não contenho o pranto. Também tenho medo, também tenho frio. Mas o pranto é em oração pela esperança que ainda não debandou dessas terras, desse peito.
E já é tarde, estamos seguros. Faz silêncio entre o canto intermitente dos passados e o riso das crianças.
Vai ficar tudo bem.
Boa noite.

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